O par de brinco
O brinco largado na mesinha de cabeceira do quarto. Foi isso o que ela deixou. Saiu apressada, sem escrever sequer uma despedida de batom no espelho. Foi embora, largando tudo, largando todos, largando o mundo… se largando. Nem do cachorro se despediu.
Eles, o Poeta e Sérgio, ficaram lá, vendo-a sair com olhar perdido, de cão que caiu da mudança. Os dois. Órfãos.
Sérgio não soube o que dizer, o que falar, como argumentar que ela não fosse embora. Diante do fato consumado, não houve argumentação possível. Não adianta argumentar com uma pessoa que não quer ser convencida, que não está aberta a possibilidades. É triste, mas é a pura verdade, ele constatou.
Poeta ficou lá, olhando com aqueles dois olhos negros, de cachorro pidão, carente de afeto. Ele não teve força para abanar o rabo. A letargia de Sérgio contagiou o Poeta e sequer um tímido latido saiu de sua garganta. Ele não pensou nem ao menos em fazer alguma gracinha, recém-aprendida com ela, para elevar o moral do seu dono.
Dono?
Ele nem sabia quem era o seu dono.
Poeta não se lembrava de quem ele elegeu para ser seu dono.
Dizem que os animais é que elegem seus proprietários. Foi sempre assim, desde que o mundo é mundo, mas Poeta não se lembrava. A dor de vê-la sair era maior do que qualquer memória. Cachorro sente, caso você não saiba.
E o apartamento ficou em silêncio. Se houvesse um relógio daqueles tic-tac na sala eles poderiam ouvi-lo em seu esplendor, mas marcador de tempo não havia. Ela levou também o rádio-relógio que estava sobre a cabeceira da cama. Com isso, o tempo estacionou. Ficou um hiato pairando no ar.
Ela levou quase tudo, mas esqueceu o brinco. E o silêncio da tarde se estendeu para a noite, passando pela madrugada e chegando ao amanhecer de um esplendido dia. Contudo, a tristeza pairava pelo apartamento no Catete. Os carros e a vida se movimentam lá fora.
Mas no apartamento não havia vida, não havia esperança, não havia ela.
Apenas o brinco.
E o Poeta chorou.