NORDESTÍNICO !
Sua origem era desconhecida e sua idade mal podia ser estimada. Magro, muito magro, na verdade era pele sobre osso. Pele engruvinhada, ressequida. Face marcada pelo tempo e pelo sofrimento, adornada por um boné verde e roxo com a aba voltada para cima, apontando para Deus, onde se lia “Estive em Aparecida”. Uma dentadura enorme que insistia em exibir um dente parcialmente banhado a ouro e óculos grandes e antigos de formato quadrado compunham-lhe a cabeça que sustentava um corpo miúdo e frágil. O tronco arqueado para frente e de onde brotavam membros frágeis e esquálidos, mãos calejadas que mostravam dedos marcados por uma vida de trabalho árduo, uma perna torta, possivelmente fora quebrada e mal curada. O invólucro desse conjunto tétrico era composto por uma velha camisa xadrez de algodão, cuidadosamente abotoada nos punhos e no colarinho e uma calça jeans visivelmente maior que o corpo que abrigava. Por cima de toda essa velharia de corpo e de roupas via-se um “borná” encardidíssimo de pano que sugeria ter sido de cor branca. outrora. Era colocado no pescoço por tiras largas e cruzado defronte ao peito de forma a permitir que seu portador a segurasse firmemente pelas alças.
Era assim que o via todo início de mês na fila do banco sempre acompanhado de um adolescente que parecia ser uma reprodução melhorada de si mesmo. O rapazinho tinha a missão de passar o cartão no caixa eletrônico do banco e digitar a senha para que nosso personagem sacasse o dinheiro de sua pensão. Ao sacar o dinheiro, invariavelmente olhava seu polegar direito, assim chamado por ocupar na mão o lugar desse dedo, pois era uma massa disforme e escura e com o qual nosso personagem se habituara, nos bons tempos, a firmar sua marca nos papéis dos Doutores. Marca escura e obscura, mas só sua.
Ao fazer esse gesto lembrava seu tempo de moço quando trabalhava na carvoaria e carregava caminhões com sacos de carvão. Um dia machucou o polegar e por um momento suspendeu suas atividades para passar saliva no mesmo e estancar o sangue . Imediatamente foi repreendido pelo capataz que o fez lembrar :
- Vamos sua anta, deixa de lerdeza . A mão não faz parte do corpo. Precisamos carregar esse caminhão.
Atônito ele olhava o dedo e se lembrava da frase e de certa forma lhe parecia que o capataz tinha razão. O tempo se encarregara de lhe provar que seu polegar já não era mais necessário e que sua ida ao banco só era preciso se lhe apresentasse uma situação de urgência .
Sacava seu dinheiro e não conferia enfiava no ” borná” e saía.
Naquela manhã ele esperava o sinal verde para a travessia dos pedestres. Do outro lado da rua o posto do INSS defronte ao banco anunciava num cartaz imenso:
ESTAMOS EM GREVE
A lanchonete ao lado estava lotada de pessoas que acompanhavam pela televisão aos depoimentos da CPI em curso. Onde nobres representantes de nosso povo, nutridos a picanha maturada, whisky do bom e muita Bhrama gelada, se inquiriam mutuamente.
- Ilustre deputado. Vossa excelência mente.
- Vossa excelência não tem como provar.
- Tenho sim. Vossa excelência é um mentiroso.
- Vossa excelência é um filho da puta.
Finalmente o sinal fica verde. Nosso personagem levanta os olhos aos céus como se quisesse agradecer ...Um raio de sol incide sobre o ouro de seu dente e sua patética figura se arrasta indiferente pela avenida em direção ao ponto de ônibus.