Sou Casado e Amo Minha Esposa
De frente para o círculo desenhado no espelho de um vaporoso banheiro, o quarentão Dalton se prepara para mais uma noite.
Perfume, check com borrifadas estratégicas.
Camisa social sob medida, meia aberta. Check com um botão aberto novamente.
Barba propositalmente por fazer. Check passando a mão no rosto como num legítimo anúncio da Gillete.
E por último e mais importante, a aliança. Check com uma baforada no dedo anular, na tentativa de fazer cintilar ainda mais o dourado do mini bambolê.
Avisou a mãe que estava de saída e caiu na noite - ou na night, quando a trabalho no Rio.
Há 12 anos que Dalton era um fiel marido e dedicado pai de uma família planejada nos mínimos detalhes para parecer existir. Seu matrimônio era tão bem construído que ele exalava a confiança de um homem bem casado. E as mulheres farejavam.
Na sua mesa de trabalho, um belo porta-retrato emoldurava Juninho, o seu moleque de 11 anos fã de futebol que ele encontrou numa rápida busca no Getty Images. “Vai dar trabalho esse menino”, dizia o paizão orgulhoso. No fundo de tela, Aninha. A princesa do papai. Recortada e escaneada de um anúncio de sabão em pó.
Nos intervalos do cafezinho, arrancava suspiros femininos detalhando o quanto se apaixonava toda dia por sua esposa. Do quanto gostava do seu rosto amassado logo cedo. E como há 12 anos o seu despertador era cobri-la de beijinhos.
“- A meta é mais difícil que a desse mês: cobrir 100% do seu corpo, só de beijos”
E ria com a roda de mulheres, sustentando o olhar por pouco mais de 3 segundos com a nova contratada do departamento financeiro.
Obviamente, era um sucesso. Romântico, marido dedicado, bem sucedido. O perfil de homem que abarrota a caixa de entrada de Santo Antônio.
Com seu terno bem cortado e aliança bem colocada, enlouquecia as mulheres com o bônus de ser inalcançável.
Afinal, por trás dessa imagem Dalton era um sedutor. Um sedutor discreto. Com olhares firmes, mas rápidos. Sem o desespero imediatista do solteiro, contava com a tranquilidade de um homem casado, bem resolvido. E com a descrição de um mineiro, “fazia a rapa na firma”- palavras de Josias, seu porteiro e único confidente.
Nada de carros importados ou passeios extravagantes, Dalton impressionava pela aliança. Aliás, o primeiro adereço a colocar no seu Renault Scenic vinho foi um adesivo de “bebê a bordo” no vidro traseiro.
Driblava qualquer princípio de comprometimento com álibis e desculpas para todos os momentos:
“- Poxa… Sábado eu não posso, minha querida. O Juninho tem a final e eu fiquei de levar todo o time campeão no McDonalds”
“- Hoje a noite o Beto e a Sônia vão jantar em casa. Soube agora, não vai ter como escapar. Me desculpe, meu bem.”
“- Acredita que a Regina quer que eu viaje para a casa da minha sogra, bem no carnaval?”
Até que o inevitável aconteceu. Dalton se apaixonou. E o pior (ou melhor): perdidamente. Cristina não pedia para acabar seu casamento, cobrava exclusividade ou ligava de madrugada contando “toda a verdade” para sua já sonolenta mãe. Para ela, tudo que lhe bastava era seu amor.
Depois de anos sustentando uma mentira por amores pueris, por simplesmente pontuar em um placar, Dalton se viu de peito aberto por estar com as mãos ao alto, completamente rendido pelo mais sincero dos afetos.
Dalton não teve outra escolha. Se encheu de coragem e resolveu tudo de uma vez por todas a farsa, a mentira, a fraude que era seu casamento.
Depois de meses de um divórcio arrasador, conseguiu se separar. Não queria ver Regina para não lembrar, pensou até em se mudar. Um lugar qualquer que não exista o pensamento em seus queridos filhos.
E assim, se mudou para a casa de Cristina.
”- Sabe Tina, fiquei ainda mais triste - e estupefato - quando soube que Regina já tinha um caso há anos com um empresário japonês, que conheceu nas aulas de pilates.”
Dias depois, desligou o telefone com um nó na garganta: se mudariam para Tóquio em semanas, levando as crianças. E decepcionado, mas feliz por ter encontrado um novo amor em um momento tão difícil da sua vida, nem com a guarda do porta-retrato ele ficou.