Gustavo e Ester

Gustavo era um escritor que passava por um período de pouca inspiração. A sua vida não andava aquilo tudo e isto se refletia no seu trabalho. Vamos dizer que o “período de pouca inspiração” e a “vida não andava tudo aquilo” era por conta de nossa amizade. Seu último livro "O Samurai de Nagoya" vendeu apenas 298 exemplares e a crítica da Revista Literária foi taxativa: “uma bosta”. Sacanagem dos caras. Tá certo, ele se perdeu um pouquinho no início por não dizer a que veio, não teve uma boa continuidade e o final ninguém entendeu. É! Uma bosta mesmo! Que meu amigo Gustavo me perdoe.

Seu livro anterior até que não era ruim. Talvez tenha pecado pelo título, "Milharal de Sentimentos". Seu agente bem que tentou lhe convencer a mudar. Mas Gustavo insistiu. Outro título tiraria a autenticidade de sua obra. Tirou foi os leitores.

Gustavo não assimilou bem os insucessos. Isto se, andar apenas de roupão no brique da redenção, em pleno domingo, possa ser chamado de “não assimilar bem os insucessos”. Ester, sua segunda esposa, também pensava o mesmo. Aliás, sempre achei Ester uma mulher inteligente. Até, de inicio, não a critiquei por abandonar o Gustavo. Não que eu não tivesse tentado dissuadi-la. Falei para ela que aquilo era coisa de artista, que iria passar com o tempo, etc e tal. Infelizmente, de nada adiantou.

Mas o que fez o Gustavo pirar, e eu também, foi ela trocar o meu amigo por um escritor de auto ajuda. Eurico Battle, o rei dos remédios com tarja preta. Logo a Ester, que sempre afirmou que este tipo de livro só pra calço de mesa e peso de papel. E vamos combinar, se tem alguém precisando de auto ajuda é o Gustavo e não a Ester. Bem que tentei conversar novamente com ela. Fui a seu consultório na última sexta. Não falei antes, mas Ester é dentista. Na sala da recepção encontrei um volume do último livro do Eurico Battle. "A Estrela que Existe em Você", quinta edição, quarenta mil exemplares. Conclui que não seria um bom momento para conversarmos e fui embora.

Sábado fui ao apartamento do Gustavo. Ele estava tão esquisito quanto das vezes anteriores. Escrevia com a mão direita numa folha de ofício branca. Segurava a caneta com os olhos fechados e a cabeça baixa. Sua mão esquerda, aberta, apoiava a cabeça. Fiquei a contemplá-lo por alguns segundos. Em seguida ele me enxergou e sorriu.

- Psicografia meu amigo, psicografia. Isto vende muito mais que auto ajuda. Agora eu quero ver a Ester pedir perdão de joelhos.

O problema é que o Gustavo esta tendo dificuldade na recepção. Ele fica horas na frente da folha em branco. Até agora só o titulo, "A Estrela é Você". Mas com este título, não sei não!

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