Memórias afiadas

Daqui de cima, eles parecem menores, organizados e silenciosos. Nem se quer sinto me perturbado ou incomodado. De onde os observo agora, junto com esse olhar distanciado, ganho um titulo de admirador, e assim, talvez pela terceira vez, possa vivenciar essa orquestra. Contanto com hoje, já devo ter vindo aqui umas três vezes. Na primeira, vim por um impulso, coisas de criança, que com medo da bronca ou da peia dos pais, resolve se fazer de vitima, e assim conquistar o perdão rogado. Nesse dia, tinha a certeza que não iria fazer nada, mas o impulso sadomasoquista infantil conduziu-me, e depois de dois ou três berros e dois ou três choros histéricos, voltei, prometendo não fazer isso nunca mais, pois quase havia deixado minha mãe louca, coisa que não era muito difícil de fazer. A segunda vez tinha sua pitada de infância, pois no começo da adolescência, não saber resistir ao sofrimento de um amor não correspondido, é um pouco infantil mesmo que comum e subversivo. Havíamos nos beijado no da anterior, porém me justificou, no outro dia, que tudo tinha sido culpa da bebida. Como não queria sair por menos, disse que só não lhe meti a mão na cara, por consideração a nossa amizade, mas que se acontecesse uma próxima vez, podia ter a certeza que não iria deixar passar. Rimos. Toda via, os dias foram passando e fomos se distanciando e quando não pude mais resistir, fui a sua procura. Rapidamente me rejeitou e disse que nunca mais olharia na minha cara, pois toda aquela história tinha sido culpa minha. De lá, sem pensar nem duas vezes, vim aqui pela segunda vez, olhe firmemente, mas nenhuma brisa dionisíaca me ajudou, mesmo eu tendo a bênção de Eros. Acho que não sou filantrópico o suficiente para fazer de uma experiência minha um crescimento espiritual para os outros. Cada um que cresça a partir de se mesmo, e se aproveitando das sobras dos outros. Essas devem ter sido as vezes que precederam a de hoje, caso haja outras, não me lembro, mas também não duvido que tenha existido, pois constantemente esqueço-me de coisas que fiz, e só depois de duas ou três colheres de sopa de açúcar é que lembro ou invento e reinvento, podendo dessa forma descobrir ou descobrir o que o consciente prefere não me mostrar. O que importa é que aqui estou, esperando mais uma vez, que a brisa dionisíaca ou talvez o mandato do oráculo vertiginoso, possa fazer-me declinar do pedestal de admirador. Daqui de cima tudo parecem organizado, silencioso e acima de tudo menor.

Eduardo Bruno
Enviado por Eduardo Bruno em 12/03/2011
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