Tesouro
O homem sentou na varanda
Elogiava seu canário belga.
-A única coisa de valor que tinha!
Sim, senhor. E bebeu mais um pouco.
O canário assobiava, assobio longo e triste.
A única coisa de valor que tinha, repetia.
A casa não era dele, era do cunhado. Se o cunhado quisesse podia pegar ela de volta a qualquer hora. O carro logo sairia dali, não conseguiu pagar o IPVEA.
O pai não lhe deixara nada, só o emprego na construtora.
Filhos não tinha, cuidava dos filhos de sua irmã, uma preguiçosa.
Não tinha mais nada.
Como iriam se lembrar dele?
“Aquele ali não fez nada, não tinha nada, só tinha um canário belga”.
O bichinho dava pios insistentes
Tentando chamar a atenção do dono
Foi justamente seu canto agudo que trouxe o homem de volta ao mundo.
Voltou á varanda, esvaziou a latinha, pôs a mão sobre a gaiola, como se estivesse a acariciando.
-Meu tesouro!
E foi para dentro de casa, com aquilo na cabeça.
“A única coisa de valor que tinha”...