JIQUI
Nas terras altas de Minas muita gente conta esta estória, desde o pé da Serra até o mais alto ponto da Mantiqueira. Como é uma estória que correu de boca à boca é muito natural se supor que existam versões diferentes, que alguns detalhes sejam omitidos por algumas pessoas e realçados e fantasiados por outras, mas basicamente o que ocorreu vou lhes relatar.
Vivia, além de Carmo, numa próspera fazenda de café, onde também, nas verdejantes pastagens se criava gado, uma família temente a Deus.
José herdara de seu avô as terras da Mantiqueira que lhe foram doadas pelo Imperador por bons serviços prestados ao império. Em realidade ele prestara serviços a um velho senador e sua jovem e bonita esposa e como recompensa por este mérito recebera uma sesmaria em Campos dos Goitacazes e outra na Mantiqueira. Para ficar mais perto do seu beneficiador e de sua bela esposa o avô de José preferiu trabalhar as terras fluminenses e deixou intocadas as terras mineiras. Foi assim que José conheceu as terras da Mantiqueira que lhe foram deixadas por herança, uma floresta virgem e por ter desmatado a terra, recebeu e adotou o nome de José da Mata.
A mulher de José, dona Rosinha, vivia para o lar, cuidando dos três filhos, das suas galinhas e do quintal que incluía o terreirão acimentado onde se secava o café.
O mais novo dos filhos era um temporão, o Zequinha que recebera o nome de José em homenagem ao pai. Era menino ainda quando seus irmãos foram para a capital para estudar e foi nesta época, quando tinha treze anos que sua mãe sofreu de longa e terrível enfermidade que a obrigou a ficar acamada.
Zequinha se mantinha ali, ao pé da cama ou ao seu lado, ora segurando a mão da mãe, ora lhe trazendo sucos de maracujá para acalmá-la, sempre fazendo as suas vontades. E sofria com ela a cada ai, percebia a cada momento o sofrer da mãe. Era incansável com sua presença, sempre atendendo a cada pedido, se antecipando mesmo, trazendo o que ela necessitava. Dizem que ele conhecia, pelo toque das mãos quando ela estava ansiosa, quando sentia dores ou alguma de suas necessidades precisavam ser atendidas. Assim, providenciava tudo para ela, chamava as empregadas, a enfermeira, o pai ou aquele que pudesse ajudá-la.
Aquele agudo senso de percepção era também uma fonte de sofrimento para ele que padecia com as dores da mãe, mas não podia demonstrá-lo para não agravar a situação dela.
Com isto Zequinha foi deixando para trás as suas próprias necessidades, seus estudos e aprimoramento pessoal para se ocupar com aquela tarefa a que se incumbia como se fosse sua missão. Para o pai e para os irmãos foi muito cômodo, ninguém melhor para cuidar da esposa e da mãe do que o próprio e dedicado filho.
Enquanto os irmãos se formavam e colocavam os anéis de doutores nos dedos, lá estava Zequinha, segurando as mãos da mãe com zelo e carinho.
O tempo foi passando, inundado pela mórbida tristeza e Zequinha cada vez mais dedicado e com sua percepção sempre mais aguçada, se antevia a todas as circunstâncias. Até que um dia ele chamou o pai, a enfermeira e às empregadas e previu:
- Mamãe deve morrer esta semana...
Todos ficaram chocados e José da Mata, inconformado com aquele arroubo do filho, comentou para os outros filhos:
- Estou preocupado com o Zequinha, ele está ficando perturbado, coitado, estes anos de tantos sofrimentos atacaram a cabeça dele... Logo agora que Rosinha está aparentando sinais de melhora ele aparece com esta estória, coitado, tanto tempo na cabeceira da mãe o está deixando meio amalucado.
Assim, sempre segurando a mão da mãe, no terceiro dia, Zequinha se despediu dela. No enterro todos comentavam à boca pequena a previsão de Zequinha.
Quando Zequinha se encontrava deprimido, montava no seu cavalo e ia além do cafezal e se sentava em baixo das árvores, em plena mata. Ali ele se harmonizava com a natureza ouvindo o cantar dos sabiás e o murmúrio das águas do riacho. Ficava em completo sossego pensando na vida e achava que tinha um débito com a natureza porque seu pai no afã de conquistar riqueza havia destruído o que de mais belo Deus havia feito...
A vida continua, assim deve ser. Zequinha, agora, homem feito assumia as rédeas da fazenda, cuidando dos empregados, da casa, do curral, ajudando o seu pai a administrar a fazenda.
O irmão mais velho era o doutor Chico da Mata, médico que morava na cidade e não interferia em nada nos negócios da fazenda, só usufruía em parte de seus rendimentos. Assim também ocorria com o outro irmão, doutor Danilo, advogado e também morador na cidade.
Quando algum colono adoecia, Zequinha montava em seu cavalo e ia à busca da água específica para cada doença. Conhecia o lugar das fontes magnesiana, alcalina, fluoretada, sulfurosa e muitas outras e de cada uma, as propriedades curativas para cada doença. Seu irmão Chico da Mata, o médico, ridicularizava desta sua atividade e dizia para seus familiares que Zequinha era o Curandeiro da Mantiqueira. Mas o povo humilde da região recebia a água do Zequinha, tomava e ficava curado. A cada ano que passava maior era a fama do Zequinha e de suas águas.
O tempo passou e agora José da Mata, o pai, estava envelhecido e decrépito, não aceitava as águas que Zequinha lhe trazia e só tomava os remédios receitados pelo seu filho Chico. Diabético, teve que amputar a perna direita que ficara necrosada. Cada dia mais nervoso cobrava a assistência permanente de Zequinha ao seu lado. Se antes Zequinha dividia as tarefas da administração da fazenda com o pai, agora sozinho, tinha que se multiplicar para dar conta de tudo e nem sempre podia dar assistência ao seu pai como desejava. O pai lhe recordava sempre que para a mãe ele não negara assistência, que estava sempre na sua cabeceira e que agora na sua vez, ele não aparecia e deixava um aleijado morrer à míngua. Zequinha fazia de tudo o que podia, mas não conseguia satisfazer as necessidades do seu pai e este, exigente, xingava e blasfemava dizendo que ia se vingar.
Zequinha, compreensivo, tentava contemporizar e brincava chamando-o de velho ciumento, até que um dia, José da Mata faleceu.
Um mês após, os filhos reunidos, foram ouvir a abertura do testamento no qual o pai declarara que era de sua vontade deixar para o s filhos Chico da Mata e Danilo, a fazenda de café, as pastagens e o gado e para o filho Zequinha a propriedade denominada Jiqui, uma terra sem valor econômico, repleta de umbuzeiros, encravada entre montanhas, com muitos grotões, onde não daria para se plantar nada porque era área de reserva florestal e não poderia ser desmatada.
Decepcionado ele ouviu dos irmãos que poderia continuar morando na sede da fazenda e administrá-la, recebendo um salário para tal. Sem alternativa, Zequinha era agora o administrador dos bens dos irmãos, um empregado, quando sempre foi um empregador. Mas aprendeu desde cedo que tudo que não pudesse ser modificado tinha que ser aceito sem mágoas e assim fez.
Nos finais de semana, no entanto, ele ia para o Jiqui para conhecer sua nova terra. Selava o seu cavalo e não dizia para ninguém para onde ia, levava uma barraca de campanha e dormia numa clareira. De manhã cedo arriava a montaria e saía explorando a região.
Numa dessas andanças foi que descobriu novas fontes que corriam em abundância. A primeira, cristalina e copiosa de gosto inconfundível de água alcalina, outra sem dúvida, magnesiana e gasosa.
Respirou fundo e agradecido asseverou:
- Deus escreve certo por linhas tortas...
Em pouco tempo as águas do Zequinha estavam sendo engarrafadas e exportadas para várias cidades e lá num platô, foi erguido um hotel onde as pessoas iam buscar a cura das doenças nas águas milagrosas.
Zequinha queria manter aquele sítio como um santuário natural onde todos pudessem usufruir de seus benefícios, energizarem-se e comungarem com as benesses da mãe natureza.
Zequinha tornou-se conhecido como um importante defensor da preservação dos recursos naturais, dos mananciais, das florestas e hoje as terras do Jiqui foram consideradas área de preservação ambiental e alguns políticos indicaram-nas para ser também patrimônio da humanidade.
Nas terras altas de Minas muita gente conta esta estória, desde o pé da Serra até o mais alto ponto da Mantiqueira. Como é uma estória que correu de boca à boca é muito natural se supor que existam versões diferentes, que alguns detalhes sejam omitidos por algumas pessoas e realçados e fantasiados por outras, mas basicamente o que ocorreu vou lhes relatar.
Vivia, além de Carmo, numa próspera fazenda de café, onde também, nas verdejantes pastagens se criava gado, uma família temente a Deus.
José herdara de seu avô as terras da Mantiqueira que lhe foram doadas pelo Imperador por bons serviços prestados ao império. Em realidade ele prestara serviços a um velho senador e sua jovem e bonita esposa e como recompensa por este mérito recebera uma sesmaria em Campos dos Goitacazes e outra na Mantiqueira. Para ficar mais perto do seu beneficiador e de sua bela esposa o avô de José preferiu trabalhar as terras fluminenses e deixou intocadas as terras mineiras. Foi assim que José conheceu as terras da Mantiqueira que lhe foram deixadas por herança, uma floresta virgem e por ter desmatado a terra, recebeu e adotou o nome de José da Mata.
A mulher de José, dona Rosinha, vivia para o lar, cuidando dos três filhos, das suas galinhas e do quintal que incluía o terreirão acimentado onde se secava o café.
O mais novo dos filhos era um temporão, o Zequinha que recebera o nome de José em homenagem ao pai. Era menino ainda quando seus irmãos foram para a capital para estudar e foi nesta época, quando tinha treze anos que sua mãe sofreu de longa e terrível enfermidade que a obrigou a ficar acamada.
Zequinha se mantinha ali, ao pé da cama ou ao seu lado, ora segurando a mão da mãe, ora lhe trazendo sucos de maracujá para acalmá-la, sempre fazendo as suas vontades. E sofria com ela a cada ai, percebia a cada momento o sofrer da mãe. Era incansável com sua presença, sempre atendendo a cada pedido, se antecipando mesmo, trazendo o que ela necessitava. Dizem que ele conhecia, pelo toque das mãos quando ela estava ansiosa, quando sentia dores ou alguma de suas necessidades precisavam ser atendidas. Assim, providenciava tudo para ela, chamava as empregadas, a enfermeira, o pai ou aquele que pudesse ajudá-la.
Aquele agudo senso de percepção era também uma fonte de sofrimento para ele que padecia com as dores da mãe, mas não podia demonstrá-lo para não agravar a situação dela.
Com isto Zequinha foi deixando para trás as suas próprias necessidades, seus estudos e aprimoramento pessoal para se ocupar com aquela tarefa a que se incumbia como se fosse sua missão. Para o pai e para os irmãos foi muito cômodo, ninguém melhor para cuidar da esposa e da mãe do que o próprio e dedicado filho.
Enquanto os irmãos se formavam e colocavam os anéis de doutores nos dedos, lá estava Zequinha, segurando as mãos da mãe com zelo e carinho.
O tempo foi passando, inundado pela mórbida tristeza e Zequinha cada vez mais dedicado e com sua percepção sempre mais aguçada, se antevia a todas as circunstâncias. Até que um dia ele chamou o pai, a enfermeira e às empregadas e previu:
- Mamãe deve morrer esta semana...
Todos ficaram chocados e José da Mata, inconformado com aquele arroubo do filho, comentou para os outros filhos:
- Estou preocupado com o Zequinha, ele está ficando perturbado, coitado, estes anos de tantos sofrimentos atacaram a cabeça dele... Logo agora que Rosinha está aparentando sinais de melhora ele aparece com esta estória, coitado, tanto tempo na cabeceira da mãe o está deixando meio amalucado.
Assim, sempre segurando a mão da mãe, no terceiro dia, Zequinha se despediu dela. No enterro todos comentavam à boca pequena a previsão de Zequinha.
Quando Zequinha se encontrava deprimido, montava no seu cavalo e ia além do cafezal e se sentava em baixo das árvores, em plena mata. Ali ele se harmonizava com a natureza ouvindo o cantar dos sabiás e o murmúrio das águas do riacho. Ficava em completo sossego pensando na vida e achava que tinha um débito com a natureza porque seu pai no afã de conquistar riqueza havia destruído o que de mais belo Deus havia feito...
A vida continua, assim deve ser. Zequinha, agora, homem feito assumia as rédeas da fazenda, cuidando dos empregados, da casa, do curral, ajudando o seu pai a administrar a fazenda.
O irmão mais velho era o doutor Chico da Mata, médico que morava na cidade e não interferia em nada nos negócios da fazenda, só usufruía em parte de seus rendimentos. Assim também ocorria com o outro irmão, doutor Danilo, advogado e também morador na cidade.
Quando algum colono adoecia, Zequinha montava em seu cavalo e ia à busca da água específica para cada doença. Conhecia o lugar das fontes magnesiana, alcalina, fluoretada, sulfurosa e muitas outras e de cada uma, as propriedades curativas para cada doença. Seu irmão Chico da Mata, o médico, ridicularizava desta sua atividade e dizia para seus familiares que Zequinha era o Curandeiro da Mantiqueira. Mas o povo humilde da região recebia a água do Zequinha, tomava e ficava curado. A cada ano que passava maior era a fama do Zequinha e de suas águas.
O tempo passou e agora José da Mata, o pai, estava envelhecido e decrépito, não aceitava as águas que Zequinha lhe trazia e só tomava os remédios receitados pelo seu filho Chico. Diabético, teve que amputar a perna direita que ficara necrosada. Cada dia mais nervoso cobrava a assistência permanente de Zequinha ao seu lado. Se antes Zequinha dividia as tarefas da administração da fazenda com o pai, agora sozinho, tinha que se multiplicar para dar conta de tudo e nem sempre podia dar assistência ao seu pai como desejava. O pai lhe recordava sempre que para a mãe ele não negara assistência, que estava sempre na sua cabeceira e que agora na sua vez, ele não aparecia e deixava um aleijado morrer à míngua. Zequinha fazia de tudo o que podia, mas não conseguia satisfazer as necessidades do seu pai e este, exigente, xingava e blasfemava dizendo que ia se vingar.
Zequinha, compreensivo, tentava contemporizar e brincava chamando-o de velho ciumento, até que um dia, José da Mata faleceu.
Um mês após, os filhos reunidos, foram ouvir a abertura do testamento no qual o pai declarara que era de sua vontade deixar para o s filhos Chico da Mata e Danilo, a fazenda de café, as pastagens e o gado e para o filho Zequinha a propriedade denominada Jiqui, uma terra sem valor econômico, repleta de umbuzeiros, encravada entre montanhas, com muitos grotões, onde não daria para se plantar nada porque era área de reserva florestal e não poderia ser desmatada.
Decepcionado ele ouviu dos irmãos que poderia continuar morando na sede da fazenda e administrá-la, recebendo um salário para tal. Sem alternativa, Zequinha era agora o administrador dos bens dos irmãos, um empregado, quando sempre foi um empregador. Mas aprendeu desde cedo que tudo que não pudesse ser modificado tinha que ser aceito sem mágoas e assim fez.
Nos finais de semana, no entanto, ele ia para o Jiqui para conhecer sua nova terra. Selava o seu cavalo e não dizia para ninguém para onde ia, levava uma barraca de campanha e dormia numa clareira. De manhã cedo arriava a montaria e saía explorando a região.
Numa dessas andanças foi que descobriu novas fontes que corriam em abundância. A primeira, cristalina e copiosa de gosto inconfundível de água alcalina, outra sem dúvida, magnesiana e gasosa.
Respirou fundo e agradecido asseverou:
- Deus escreve certo por linhas tortas...
Em pouco tempo as águas do Zequinha estavam sendo engarrafadas e exportadas para várias cidades e lá num platô, foi erguido um hotel onde as pessoas iam buscar a cura das doenças nas águas milagrosas.
Zequinha queria manter aquele sítio como um santuário natural onde todos pudessem usufruir de seus benefícios, energizarem-se e comungarem com as benesses da mãe natureza.
Zequinha tornou-se conhecido como um importante defensor da preservação dos recursos naturais, dos mananciais, das florestas e hoje as terras do Jiqui foram consideradas área de preservação ambiental e alguns políticos indicaram-nas para ser também patrimônio da humanidade.