Por um cavalo...
Por um cavalo...
- Faça a vontade do menino, rapaz!
- Certo, meu tio. Eu aceito, Luizinho!
Feliz, o garoto aplaudiu o fim da disputa. O primo, e quase cunhado, aceitou viajar no cavalo dele. Sentiu-se importante!
Da varanda, Joaninha sorria, esperançosa e já com saudades do noivo. O casamento estava marcado para o início de maio. Faltavam pouco mais de quinze dias.
Como se sentia feliz! Amava o primo a quem fora prometida. Os pais dela e dele estavam de acordo com a união que reforçava os laços de família e muitos interesses, é claro, já que eram os mais ricos proprietários de terras e de gado na região.
Sem falar nas lavouras que se estendiam pelas colinas ao redor, exibindo nas fileiras dos cafezais um lindo penteado afro... E aquela beleza verde ia de uma sede à outra das fazendas, unindo as propriedades do pai e do tio, quase sogro.
Faltava muito pouco, mas para Joaninha o tempo era lerdo demais...
O noivo se despediu, montou no cavalo do menino, ouviu mais uma vez as recomendações do tio e, com um gesto rápido, tocou com o chicote a aba do chapéu, para dizer à noiva que voltaria depressa. Joanna sorriu desconcertada; a mãe, ao lado dela, não escondia sua satisfação. Ia casar a filha com o sobrinho, rapaz de bem, sadio, trabalhador... e, de quebra, a herança estava preservada.
Tudo em família.
As duas entraram e pegaram de novo o vestido, quase pronto. Era o que Joaninha iria usar depois do casamento. Uma beleza de tecido: cassa de linho branco, onde se destacavam folhas verdes bem pequeninas. O cós com entretela acentuava a cintura fina da jovem noiva, e a saia ampla e rodada realçava seus movimentos leves e ágeis. Um primor!
Faltava apenas pregar uns últimos colchetes, e passar a ferro a obra de arte que iria pontilhar de esperança o primeiro dia de casada da menina.
Ah! o coração da mãe... a sua Joaninha iria morar na casa nova já construída, mas na verdade, não era uma grande mudança. Da janela do quarto ela podia ver a casa da filha. Linda, toda branca, com janelas azuis, perto de duas frondosas mangueiras.
Dias depois, Joaninha acordou, cheia de alegria. Se tudo tivesse corrido de acordo com o previsto, Francisco deveria chegar naquela tarde.
Depois do café com bolo, ela se demorou na varanda, cuidando dos muitos vasos de samambaia; parecia entretida naquele serviço, mas, sem dar muito na vista, a cada momento espichava o olho na direção da estrada. Ansiosa e feliz.
Seus sonhos de moça estavam prestes a se realizar! Faltavam poucos dias!
Lá pelas quatro da tarde, uma nuvem de poeira vermelha deu o anúncio. Era Francisco que voltava da viagem que o tio o incumbira de fazer. Joaninha se esgueirou e entrou na sala, tranquila, como se nada tivesse percebido. Não era de bom tom que ela estivesse na varanda quando o noivo chegasse. Foi para o quarto e ficou lá, coração na garganta, esperando que a chamassem.
O rapaz apeou da montaria e se apressou em subir os degraus para cumprimentar o tio que estava lendo os jornais. Ao lado dele, a tia colocava ordem numa caixa de restos de meadas de linha.
- Boa tarde, meu tio! Boa tarde, tia! Tudo bem por aqui?
- Graças a Deus, tudo bem. Fez boa viagem?
Antes que Francisco pudesse dizer alguma coisa, Luizinho chegou correndo. Ouvira conversa na varanda e entendeu logo que o primo estava de volta. E seu cavalo também!
Enquanto o rapaz prestava contas do que fora incumbido de fazer, Luizinho voltou correndo, todo agitado.
- E meu cavalo, Francisco? Aquele não é o meu cavalo!
Não dava mais para adiar o momento. Era melhor ser direto:
- Você tem razão, Luizinho. Aquele não é o seu cavalo. Aconteceu um acidente conosco na ida... o cavalo tropeçou num buraco e feriu a pata. Mesmo mancando, ele me levou até a vila mais próxima, onde procurei quem tratasse dele. O veterinário examinou o ferimento e disse que não era coisa simples. Exigia cuidados e um tempo de repouso.
Respirou fundo, olhando para o tio que escutava, sem dizer palavra. O menino insistiu:
- E então, onde você deixou o meu cavalo?
- Olhe, Luizinho, quando eu vi que a coisa não era de se resolver no mesmo dia, e eu precisava fazer a tempo o que seu pai me ordenou, fiquei bem aflito. Mas logo surgiu um senhor muito prestativo que me fez a proposta de ficar com o cavalo e tratar dele. Com a condição de comprá-lo. Eu não tinha escolha, você entende, não é? Vendi o cavalo, e comprei outro para poder seguir viagem.
- Mas, e agora? Aquele ali não é o meu. Não quero ele!
- Eu já esperava, primo. Por isso trouxe isto para você, e espero que me desculpe o aborrecimento. Eu não queria que isso acontecesse, acredite.
E tirou do bornal um pacotinho embrulhado em papel de cor.
O garoto abriu-o curioso e arregalou os olhos, de puro prazer.
- Um relógio?! E tem corrente também! Eu vou poder usar na festa do casamento. Vou ficar igual a papai e aos outros fazendeiros. Muito obrigado!
E saiu feliz, mostrando o relógio à mãe, às mucamas e à cozinheira que preparava o jantar. Cavalos, ele podia escolher à vontade, ali mesmo na cocheira. Mas, relógio era coisa de gente grande! Sentiu-se grande!
Mais aliviado, Francisco terminou de prestar contas ao tio, que continuava sério, sem qualquer comentário. Por fim, pigarreou e disse:
- Muito bem, você fez um bom serviço, Francisco. Resolveu o que eu queria e mostrou tino ao negociar o cavalo machucado. Tem talento para negócios!
Francisco respirou fundo. Agora podia pedir permissão para ver sua Joaninha! Antes que o fizesse, o tio completou:
- Como eu estava dizendo, o senhor mostrou que sabe como se sair bem nas dificuldades. Agora, quanto ao casamento, não se fala mais no assunto.
Francisco empalideceu... parecia ter perdido a voz. Ficou olhando mudo por uns momentos. Depois, juntou as forças e perguntou:
- Mas, tio, o que aconteceu? O que fiz para o senhor me tratar assim? Está tudo combinado, a casa pronta, o Padre já...
- Pois é, tudo estava combinado, mas não vai acontecer. Se antes de casar, o senhor se achou no direito de dispor de um bem que me pertencia, o que eu posso esperar no futuro?
Passar bem, senhor Francisco. Explique isso o senhor mesmo, a meu irmão. E, estamos conversados.
Joaninha continuava no quarto, esperando que a chamassem para ver o noivo. Em vez disso, a mãe entrou e, já chorando, abraçou a filha. Contou-lhe a conversa que ouvira - sem poder interferir - e choraram juntas, por alguns minutos. Quando o pai gritou da sala que estava passando da hora do jantar, não houve remédio. As duas tiveram de ir, tentando disfarçar o pranto.
O pai comeu em silêncio; e foi em silêncio que tomaram a sobremesa. Antes do café, veio a bomba maior.
-Pois muito bem. Está resolvido! O casamento não vai acontecer como tínhamos combinado. Mas, como está tudo pronto e não dá mais para avisar os convidados, haverá casamento, sim. Só que eu vou escolher o genro que eu quiser.
Mãe e filha sentiram o chão desaparer debaixo de seus pés. Mas não ousaram levantar os olhos e, muito menos, dizer uma palavra.
No dia marcado, houve a festa.
Vestida de noiva, e já no altar, minha avó viu, pela primeira vez, o marido a quem se entregaria submissa, para toda a vida.