A blusa branca - Série Eu me lembro muito bem...
Eu me lembro muito bem de uma blusa branca que tinha quando era adolescente. Era linda, como nenhuma outra que tive depois. Com manga japonesa, ela veio do Nordeste e era delicadamente bordada. O pano era fininho, parecia ter sido tecida por habilidosas aranhas, dessas que vemos em contos infantis capazes de criar tudo. Quando a usava me sentia uma princesa pronta para ganhar o mundo.
Eu me lembro muito bem da sensação que na pele sentia ao contato com o delicado pano. Nenhuma roupa desde então teve este poder sobre minha epiderme.
Com o passar dos anos outras roupas usei: a sensualidade da seda, a simplicidade do algodão, a quentura da lã, mas nenhum outro tecido trouxe o frescor primaveril daquela blusa.
Ela não era uma simples blusa. Era a representação, a esperança de todos os sonhos que carreguei na adolescência quando ainda acreditava – doce ilusão! – que mudaria o mundo.
Ah, o mundo! O vasto mundo! – já recitou Drummond. Mas eu ainda não sabia naquela época que Raimundo não era uma solução. Era apenas uma simples rima. Nada mais do que isso.
Mas aquela blusa foi testemunha da minha adolescência. Do que eu era, só assim posso entender o por quê sou o que sou hoje.
Não faz muito tempo, numa visita ao Nordeste, encontrei uma blusa tão delicada como aquela que tive. Pedi para experimentá-la. No provador pude notar que era o meu tamanho, que o pano era tão fininho como a blusa de outrora. Tudo perfeito só com um pequeno senão: eu já não era mais a mesma. Minha pele já tinha vestido outros panos, outras ilusões e desilusões. Cresci.
Às vezes acho que felizmente cresci; outras vezes mudo de ideia e penso que infelizmente cresci.
Não importa.
O importante é saber do carinho que carrego na memória por aquela blusa branca.
Sua recordação me faz lembrar muito bem do quanto fui feliz.