A NAMORADA DA GRAZI
Vera percebeu que a filha estava apaixonada quando os telefonemas escondidos começaram. De uma hora para a outra, a Grazi começou a se trancar no quarto para falar ao celular. Pelo tom sussurrado, Vera logo desconfiou que não era com uma simples amiga que a filha estava conversando. Grazi estava amando! Finalmente! Com quinze anos, ela era uma menina retraída. Não gostava muito de badalação. Preferia ficar horas trancada no quarto, navegando na internet. Quem sabe agora sua filha saía para o mundo? Vera só cruzava os dedos para que o amor em questão fosse um rapaz direito e com pedigree.
Depois de semanas namorando escondido, um dia Grazi se aproximou da mãe. Era antevéspera de Natal e Vera estava atarefada na cozinha, preparando os quitutes para a ceia. A garota tinha uma coisa muito importante para dizer:
- Mãe, quero pedir uma coisa...
- Então peça - retrucou Vera, preocupada com o peru que assava no forno.
- Conheci uma pessoa muito especial - declarou Grazi, sorridente e apaixonada - e quero apresentar para vocês. Posso trazer ela aqui amanhã de noite?
- Claro! - exclamou Vera, aliviada e contente. Finalmente a filha estava se abrindo com ela e revelando sua paixão - Vamos ter a maior satisfação em receber seu namoradinho.
Grazi deu meia volta e saiu, com um sorriso enigmático. Vera prosseguiu com sua lida e esqueceu o assunto. O peru não podia passar do ponto.
A festa de Natal na casa da Vera estava animada. Os parentes chegaram, a cerveja corria solta, mas sem nenhum excesso. Ela já havia avisado o Hélio que a Grazi traria seu namorado e o marido fechara a cara, enciumado. A filha caçula namorando? Ora essa...
Então a Grazi chegou. Vera percebeu que algo estava estranho quando o nível de conversas subitamente baixou de tom. Não chegou propriamente a silenciar o ambiente, mas houve uma nítida mudança de comportamento entre todos. Altiva, Grazi atravessou o pátio trazendo pela mão uma garota da sua idade. Não era tão graciosa quanto a filha, Vera reparou, emborcando o copo de cerveja de uma vez só, mas tinha boa aparência. Se não fossem pelas botas cano alto e a minissaia curtíssima, a moça não pareceria tão insólita, digamos assim.
- Mãe, pai - apresentou Grazi, triunfalmente, puxando a outra para o seu lado, frente aos pais - esta é a Sabrina, minha namorada.
Hélio queria um buraco para se esconder e mal cumprimentou a jovem. Ele estava ciente dos olhares disfarçados dos parentes e disse para si mesmo que naquela noite entraria em coma alcoólica. Já Vera, tentando fazer de conta que aquela era uma situação muito natural, cumprimentou Sabrina, beijou-a e chamou os irmãos da Grazi para que ela os conhecesse. Depois do choque inicial, a festa recomeçou. Grazi e Sabrina foram para um canto, onde trocaram carinhos e cochichos. Hélio tomou o porre que tinha prometido para si mesmo e foi dormir antes da meia noite. E Grazi, no final da festa, deu um beijo na mãe e foi para a casa da namorada. Atordoada com a escolha da filha, Vera só foi pegar no sono depois das quatro horas da manhã.
No outro dia, a briga. Hélio, recuperado do porre, acusou a mulher de dar liberdade demais para a filha. Os irmãos, surpreendentemente, deram apoio para a irmã. Afinal, a Sabrina era uma gatinha. E Vera se defendeu dizendo que a Grazi tinha liberdade sim, mas de escolha para saber o que a faria mais feliz ou não. E ponto final. De qualquer forma, o namoro das duas não passou daquele verão. Mas foi uma temporada intensa. Grazi curtiu o namoro na praia, na casa da Sabrina e na sua própria casa, na frente do pai, inclusive. Ambas desfilaram de mãos dadas pelo shopping, foram ao cinema, trocaram beijos em público, dando vazão a todo o seu amor. Para Vera já era uma coisa natural ver a filha com Sabrina. Para Hélio, nem tanto. Por isto, quando Grazi chegou um dia e lhe anunciou o rompimento com a Sabrina, Vera levou um choque. E dos grandes.
- O quê? Mas o que aconteceu? - perguntou ela, com a mão no coração. Sua linda filhinha deveria estar sofrendo muito.
- Simplesmente acabou - respondeu Grazi, naturalmente - Conversamos e chegamos a conclusão que é melhor dar um tempo e cada uma seguir o seu caminho.
Simples assim. Vera se perguntou como Hélio reagiria se ela chegasse para o marido e dissesse: Acho melhor você tomar seu rumo. A casa íria cair. Nossa, como essa juventude é descomplicada!
- Bem, eu... E você tem alguém em vista? - Vera perguntou, surpresa com a novidade.
- Em vista, não. Só não sei se o meu próximo amor será um homem ou uma mulher. O certo é que vou escolher a pessoa que me fará mais feliz. E aconselho que você faça o mesmo, mãe.
E dizendo isto, Grazi pegou sua mochila e deixou Vera sentada no sofá, pensando. É, às vezes a felicidade está no próximo passo.