TODA MÀE É UM SER ENCANTADOR E MISERÁVEL, PASSIVEL DE MORTE - II
ATRAVESSEI UMA PONTE MERGULHADA numa tênue neblina alcóolica e parei em um mirante mais próximo para tomar uma cerveja. A noite se mostrava tristemente agradável. Acendi um cigarro e puxei Arthur Rimbaud do fundo da bolsa. O demoniozinho sorria enquanto o mirante chacoalhava um bocado. Uma brisa acanhada veio lamber discretamente minha tez. E? "CA-RA-LHO, matei minha mãe!" Refleti com mais força depois da terceira cerveja. Fiquei ali a noite toda flertando com a brisa. As proas dos barcos de linha em volta do Mirante, me olhavam bicudas enquanto eu degustava de um prazer estranho e escroto de liberdade. E agora/ O que fazer? Aonde ir? Não ia ficar ali sentado a vida toda bebendo e pensando, ia? Precisava agir. Pedi a conta e parti.
***
Encontrei um quarto ali pela Joaquim Nabuco. Um três por quatro com uma cama, tv preto em branco, guardarroupa, banheiro e uma janela que dava fundos para uma paraça nojenta e sem graça. Uma vista sem muito atrativo. Entediante mesmo. Mas também, o que há de atrativo nessa merda de cidade? As cidades, sabe, sào como as mães: ás vezses é preciso abandoná-las. Depois, não me permiti ficar por muito tempo ali não. Minha perman6encia seria temporária.
Passaram-se uns dias, aí então tomei coragem e resolvi ligar:
"Mãe?"
"Mário?! Tá onde, meu filho? Tu tá bem? Volta pra casa!"
"Tô bem, mãe! Tô bem sim! Tô morando num quarto de hotel."
"Que hotel é esse? Estão te tratando bem? Já almoçou? Fiz hoje os teus bolinhos de chuva."
Fez silencio. Ela tagarelava sem parar do outro lado. Aí então desliguei.
Fazia uma tarde fria. Uma tarde fria de dezembro. Uma lufada de vento esbofeteou-me a cara. Meus olhos rasos d'água...