O laço verde

Deodato, sem muitas palavras. Na rua, caminho para o trabalho, atentava para os estranhos... esse povo todo, gente estranha. Que ela quer me olhando assim? Enquanto apertava o passo, atrasado na rotina.

Na fábrica, quente de mais, suava escorrendo pensamentos, ponderando sobre qualquer coisa, e sobre nada também. Se fosse caso de mudança, pensava ele, não trabalharia ali por tanto tempo. Enquanto o quarto filho se encaminhava, o bolso apertado, cabia sempre mais. Sempre cabe né, que vou fazer? Horas extras, e uma ajuda providencial, os sapatos da vizinhança andavam já velhinhos, mas consertados como haveria de ser ali no meio daquela gente.

Na volta, as estrelas escondidas, postes estão mais perto, noites quentes, as nuvens de não-chover se seguravam em cima das cabeças, fumaça de todo dia.

Dez pães, amanhã, saio cedo, dois reais, cansado... num vou mexer com cola mais hoje... Adentro, a noturna cidade se estendia em casas e muros. Os autos, quisera Deodato, passavam com uma serpente enfurecida, lenta e barulhenta. Dos minutos despendidos caminho adentro, um proveito, lágrima, a angústia, sentimento dos mais amargos brilhava em negra cor nos olhos de Deodato, com olhar preso às contradições dessa inútil vida perdida. Podia trabalhar menos uma hora, ia até dar tempo para...

A esposa, dos anos de antes, esquecera-se. Recordações boas são luxos difíceis de juntar, e guardá-las requer esforço, tempo, esse perdido em meio aos trapos e vassouras. No casamento, sem pompa nem bolo, teve nas mãos a felicidade, e talvez ainda tivesse, escondida e trancafiada atrás do armário que a vizinha deu.

Trinta e dois anos, a flor despetala-se no frio ou no calor, sem graça. Com os filhos, sentimento de desejos maiores, a timidez. Porém sempre chove nos olhos de quem não tem seco o coração. Lili, ela gosta desse aqui... Verde, nos cabelos negros de menina, orgulho de pai, corações.

As horas em relógio adiantado pelo louco tempo. Noite tardia, Deodato, de pontual comportamento, sumira.

Ana, olha na esquina se teu pai já vem... Hora extra... tá demorando hoje, mas deve tá bem. Janice sentia, de amores antes perdida, o coração aturdido, as luzes da festa pareciam apagar. Não viu ele não Ana?

O policial, em tom de pesar noticiou a morte, e trouxe a sacola de pães e o laço verde. Nesses dias, vida desvivida, só os olhos que olham para dentro vêm verdades. Cadê o café? Perguntaria Deodato, e naquele dia, nas xícaras apenas as lágrimas.

Desculpa Joãozinho, num deu tempo vê você, os olhos esmaecidos pareciam chorar, mas havia neles uma esperança, em todos, e essa saíra do esconderijo, e por fim, também morreu. Janice se despedaçou em gritos. O laço, verde, manchara-se, e agora segurava lágrimas da pequena Lili. No dia seguinte Deodato não iria ao trabalho.

Helinho
Enviado por Helinho em 01/03/2011
Reeditado em 09/03/2011
Código do texto: T2823155
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