DEVANEIO
O ranger da porta foi tão forte que o momento tornou-se mais assustador do que realmente era, em seguida todos aqueles olhares em minha direção, curiosos e incrivelmente expressivos. Não esperava um silêncio tão marcante, era meu primeiro dia de aula.
A minha turma de segundo ano, tão grande e repleta de pequenos seres ávidos pelo ABC.
Do meu primeiro passo da porta de entrada até a minha mesa de professora as imagens foram surgindo uma a uma em minha mente acelerando meu coração pela emoção contida até aquele momento.
Da primeira maçã do menino tímido querendo me conquistar, os olhos azuis da garotinha meiga e com dificuldades em matemática, o barulhento garoto de cabelos arrepiados e o beijo carinhoso de todos eles no dia dos professores.
Cada brilho no olhar, cada sorriso de cumplicidade, em tantos anos sendo educadora.
Com tantas dúvidas em minha trajetória até a descoberta do meu eu, onde o que se faz com amor se transforma em benefício mútuo, eu enfim me descobri aos 40 anos. Uma luta árdua, tantas tentativas profissionais frustradas e a solidão insistindo em me fazer companhia.
Me lembrei de cada professor, todos especiais com suas particularidades, mas todos importantes nesse caminho que me faz tão feliz e realizada.
Uma lágrima escorreu discreta ao me dar conta de tantas pessoas que fizeram e ainda fazem parte da minha vida, tantos anos depois.
Uma gratidão imensa tomou conta de mim ao me dar conta que o meu sonho se tornou realidade. Da recensão crítica, do teatro que eu não levava o menor jeito, dos poemas declarados, dos gêneros textuais da professora corinthiana, das crianças no hospital e dos artigos publicados no caderno de pedagogia, quanta emoção!
- Profe! Posso ler em voz alta?
A Juliana com sua iniciativa costumeira me trouxe de volta do devaneio.
- Claro Juliana, pode ler o poema.