Ela ficou sentada na escadaria enquanto assistia com olhos fixos, as malas sendo colocadas na caminhonete, era apenas uma reprise. Nas outras vezes, estava despenteada, com olhos vermelhos e tremula, dentro do peito o coração parecia querer desistir, sua voz saia em meio a soluços que eram ignorados. Então, ela rastejava, gastava horas ao telefone tentando impedir que aquela cena fosse para sempre e por isso tudo sempre voltava ao normal. É, já era normal a indiferença , desde que tudo ficasse dentro da rotina, que os vizinhos não notassem a vaga da garagem vazia e não olhassem com aqueles olhos inquisidores e compadecidos.


                   Ela detestava ter que ir ao mercado sozinha e encontrar com os amigos que algumas vezes também detestavam encontrá-la pois já sabiam que seriam questionados e logo estariam respondendo uma série de perguntas, já que aqueles olhos de tão tristes, pareciam sempre perdidos e pedindo socorro.
                 Em uma dessas ocasiões, ela percebeu que ao se aproximar dos amigos, eles a olhavam como uma piedade que era ainda pior do que o abandono . Beijaram e abraçaram-na naquele dia, mas ela finalmente desistiu dos amigos e passou a tomar algumas doses de uísque todos os dias, apenas para dormir, depois apenas para relaxar, depois ela apenas tomava uma garrafa de uísque por dia. Até o dia em que uma garrafa lhe pareceu pouco e decidida se entregou a outras e outras e outras... que não lhe serviam mais de companhia, tornaram-se apenas fugas e atalhos que apagavam sua imagem esquálida e pálida no espelho.


                    A última vez que fugiu do espelho, acabou escorregando no boxe do banheiro, encontrada pela diarista numa poça vermelha e cheia de vômito, agarrada a uma fotografia onde já não podia ser identificada. Ela deve ter procurado a si mesma muitas vezes, naquela mesma foto sem se encontrar . Seria ainda mais difícil agora que possuía uma cicatriz profunda na cabeça, que por ironia do destino formava a inicial de seu nome: Luiza.


                      Finalmente a última mala foi carregada cuidadosamente enquanto ela observava o cenário de sua triste história. Dessa vez ela soltou o cabelo, era impossível fazê-lo sem tocar no seu “L”, pôs seu óculos solar e numa frieza quase assustadora caminhou na direção dele, deu-lhe um beijo no rosto, virou e acendeu um cigarro enquanto caminhava em direção a caminhonete. Entrou e num último olhar viu que ele estava com os olhos vermelhos, despenteado e usando um chinelo de vovô, naquele momento ela riu. O carro desapareceu na esquina, ela finalmente descobria seu caminho.



Cristhina Rangel.

Cristhina Rangel
Enviado por Cristhina Rangel em 23/02/2011
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