Treta. Lhe falo que é treta. Esse menino é esperto demais, viu? E boba de você se cair nesse conto de vigário dele. A gente carece é de cuidado com esse tal de amor a primeira vista, sabe? Põe tento! E num é só esse não, cuidado a gente tem que ter é com qualquer amor. To pra lhe dizer que tem mesmo é muita segunda e até terceira intenção nesses “olhar no olho do outro” e amolecer o corpo, debaixo de um barrica de paixão, feito um leão tornado lesma, num sabe? As coisas num funcionam assim nesse mundo, não.

Eu tive foi uma amiga que experimentou desse feito e que lhe ardeu mais do que aguardente em dia de calor, viu? Resolveu que ia viajar para um lugar aí pra fora. Largou do marido com as filhas e se afogueou pelas estradas. Ela com mais duas. Ficou uns dias de longe, sem que ninguém pudesse reparar o que a moça fazia da vida e, no que parou de volta, veio trazida por um carro branco, num sabe, que dava até pena de ver o bichinho andar pelos caminhos daquele chão barreto.

Saltou do dito que nem uma princesa de sua carruagem, açambarcando as malas com os poucos braços que tinha, numa pressa de bicho assustado, e entrou pela casa afora jogando os pacotes tudo pelo chão. O marido lhe veio em socorro e as filhas, mais que rápido, arregalaram olhos para os pacotes, de forma que ninguém nem estranhou o carro lá fora que ligeiro arrancou poeira trilho afora. Aquele dia se passou como os de antigamente, num sabe? Mas, ela andava descabreada. Doidinha para falar, mas chegada a hora engasgava.

Um dia decidiu soltar a língua. Durante uma conversa de cerca Lourenço, sabe, dessas aí que a gente chama de conto do vigário, como quem num queria nadinha de nada, iniciou a contar pro marido que tinha acontecido uma coisa na viagem de volta que só podia ser destino, pois que ela nunca que ia de pensar em outro cabra que não ele. Remendou de um lado, remendou do outro e a história ficou como um desses improvisos da vida, onde ninguém é culpado, num sabe?

O pobre do homem ficou caladinho, caladinho, que nem passarinho doente. De aparência  resignada, feito fome mal saciada. Foi esse tal de amor a primeira vista, num sabe?  Se fazendo de trouxa, ela contou que quando botou o café na boca, deu de olho com os olhos dele, de forma tão forte que não resistiram, num sabe. Aí vieram aquelas coisas, de corpo mole, perna bamba, tremura nas mãos. Essas coisas, você sabe. O carro branco, era dele, do outro.

Mas aquilo degringolou foi a vida dos dois, viu? Se ela necessitava de ser mais feliz, que fosse. Ela saia, feito uma borboleta saída do casulo, até que a falsidade perdeu a graça. O desinfeliz, que já tinha tido o que queria, num sabe, desembestou a botar dificuldade em tudo...

Aí ela quis voltar. Sem graça apareceu um dia na casa do marido, que tinha já trocado de casa, mesa e banho, prontinha, feito uma jiboia, pra rodilhar o dito. Ele abriu a porta e saiu pra cozinha, sem falar nadinha. Ela foi atrás, mas ficou só o tempinho de ver o brilho da peixeira levantar voo e cortar o ar.
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 22/02/2011
Reeditado em 12/07/2011
Código do texto: T2807987
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