A Segunda Queda

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Há dez invernos atrás o senhor vestia calça, camisa, casaco, chapéu e sapato da mesma cor, branca. Não possuía longa e branca barba e as pernas não doíam.

Esse é o país Amanhã. Sim, esse país tem o nome Amanhã. O país que o senhor nasceu, cresceu, venceu e perdeu. Foi há muito tempo que o senhor nasceu, não? O senhor nunca revelou sua idade nem a sua origem, só a conhecemos por lendas contadas de ouvidos a ouvidos. As lendas contam que sua querida mãezinha dona Catarina era uma ambiciosa mulher que desejava o poder e para realizar precisava de um meio e o meio foi o senhor. O senhor foi gerado por um desconhecido numa noite de amor que a querida mãezinha sua teve. A gravidez foi difícil e num parto dolorido o senhor nasceu e recebeu o nome de Alexandre porque Alexandre era nome de rei como dizia sua mãezinha. Dona Catarina o criou no meio dos livros das historias dos imperadores romanos, o poderio militar, as táticas de guerra uma leitura obrigatória e apaixonada. Quando o senhor virou homem de barba na cara se alistou no exercito. Sua mãezinha ficou orgulhosa já que ela foi causadora dessa entrada do senhor no exercito, ela que gostava de falar: “Esse menino vai ser militar e presidente do país.” Quando soube do seu alistamento não parou de chorar de alegria,

E o senhor com competência foi conquistando as batentes militares, recebia elogios dos seus superiores e ganhando confiança. Logo surgiu o respeito e porque não dizer, temor, suas palavras de ordem eram como as tempestades, estava amadurecido para comandar o país.

Sua querida mãezinha carregava a mesma opinião: “É um homem e preparado para ser o maior presidente que este país esquecerá, ergue a cabeça filho, você nasceu pra ser vencedor.”

Nesta época o presidente era um certo Manuel Fernandez eleito pelo voto popular e que pelos olhos militares era comunista disfarçado. E assim houve uma aliança com o país estrangeiro arranjada por sua mãezinha, o senhor era o coronel, mas não tinha o poder absoluto do país e para obter precisava derrubar Manuel Fernandez e a aliança com o país estrangeiro possibilitaria a oportunidade de conquistar o comando do país. E numa reunião foi concretizado o acordo de que o país estrangeiro auxiliaria no golpe de estado.

E numa quinta-feira de outono, o senhor beijou sua mãezinha querida e disse: “Chegou à hora mãe.” O golpe seria de surpresa, não haveria tempo de reação e em silencio. Trezentos homens em veículos militares marcharam para a residência presidencial, foi um ataque sem aviso, tiroteios e bombas, o país assustado não quis saber o que acontecia, uns gritaram guerra debaixo dos cobertores e neste dia de outono o senhor teve seu golpe de estado. Em poucos minutos renderam a residência e o senhor pegou Manuel Fernandez e o acusou de comunista e declarou que seria o novo presidente do país. No dia seguinte os que faziam parte do governo foram executados e Manuel Fernandez enforcado. E o povo soube que o senhor era o novo presidente a reação de alguns foi de aceitação, para os restantes de incertezas e havia aqueles que lutariam contra o governo. Pela primeira vez o senhor vestiu calça, o casaco, a camisa, o chapéu e sapato, todos da cor branca e pronunciou em rede nacional que o país caminharia para um grande progresso. Sua mãezinha querida estava orgulhosa e emocionada pelo sonho ter sido realizado. Mas a verdadeira causa do país estrangeiro fazer a aliança era o petróleo. Explorariam o petróleo que era a principal fonte de riqueza além das usinas hidrelétricas e o senhor concordou e declarou que pouco importava permitir os estrangeiros explorarem tanto que não o atrapalhassem.

Sete dias depois o senhor e a sua querida mãezinha dona Catarina saíram num desfile num jipe militar saudando a multidão, o senhor com seu traje branco em pé no jipe com o peito estufado ouvia a multidão, o povo sorria, era contentamento em seus olhos, papeis, confetes, fitas, bandeirinhas com sua efígie balançando e fogos de artifícios e o senhor e sua mãezinha querida dona Catarina que não segurava as lagrimas viu que o povo estava do lado do senhor e por mais que acreditava aceitaria ela também.

Bem diferente de agora o senhor vivendo num quartinho com apenas um colchão tendo que procurar alguma coisa pra comer ainda com a perna dolorida. A sua querida mãezinha não estava e era novo dia, a barriga roncava e o senhor precisava sair. Fez o mesmo trajeto, passou por lugares e estabelecimentos, pessoas, poucas o encaravam, encaravam esse homem frágil de longa barba branca arrastando a perna dolorida, alguns o encaravam de cara feia outros com ares de interrogação. A vida mudou, outro homem tomou o poder um estrangeiro, tal de Richard. Numa loja de conveniência encontrava-se uma foto desse Richard com duas crianças descabeladas, o senhor nunca tinha visto o rosto desse Richard era o rosto de ator galã, louro, cabelo liso, olhos azuis e os dentes brancos, jovem muito jovem e belo rapaz. O senhor perguntou a si mesmo: “É para esse merda que entregaram o país?” perguntou em pensamento revoltado. “Para esse merda que o meu país foi entregue?” Saiu a arrastar a perna e humilhantemente pedia café da manhã ou moedas, muitas recusas o senhor recebeu e no final o sol do meio-dia pousava no seu corpo, cansado de pedir e cansado de andar decidiu voltar para o seu quartinho, passou pelos mesmos lugares e de encontro vinha uma mulher e o senhor tomou coragem pra fazer o ultimo pedido: “Um trocado para eu comer, com fome estou.” A mulher sensibilizada retirou da bolsa moedas e duas notas e as colocou na sua mão e retornou sua caminhada, o senhor aliviado agradeceu tinha bom dinheiro, passaria alguns dias sem fome o errado era que o senhor está no meio de pessoas esquecidas e esse esquecimento devido ao governo gera a criminalidade. E não foi que entrando no bairro cinco rapazes de grande porte físico o cercaram, o senhor os encarou e eles de nada disseram dois o pegaram seus braços por trás e os outros três cada um desferiu socos no seu estomago, o senhor caiu no chão de terra vermelha e rapidamente arrancaram as moedas e as duas notas e saíram correndo em fuga. E o senhor tossia de dor e pessoas assistindo e não fazendo nada e o senhor revoltado falava: “Voltem seus merdas, voltem com meu dinheiro. Não sabem, não conhecem seus merdas, eu posso mandar arrancar suas tripas.”

E aquela gente olhando o senhor sem prestar ajuda, coladas no chão.

“Ajudem-me, levantem-me desse chão sujo!”

E o senhor parou e sua mãezinha querida estava na sua frente.

“Levanta filho, não se humilhe. Ergue-se, eu não o coloquei no mundo para vê-lo assim. Levanta, ergue a cabeça, respire fundo e segue seu caminho.” “Mãe...” “Levanta daí moleque, obedeça sua mãe!”

E o senhor estendeu os braços para sua mãe, mas quem estava perto só via o senhor falar com o vazio.

“Mãe...” “Levanta do chão, anda!”

Com muito esforço o senhor levantou, limpou a barba que sujou, a roupa também e foi arrastando passando do lado das pessoas que o olhavam sem entendê-lo e com ar de exclamação, quem é esse homem?

Os pestinhas o xingavam na passagem, o senhor abriu a porta do quartinho, trancou-a, passou o trinco, colocou a madeira atravessada, andou ao colchão velho e fino, deitou, deu um suspiro não era hora para lamentações.

Quinze dias após sua posse o senhor declarou em rede nacional as propostas de governo e informou a nação: “Declaro a partir dessa data à nova ordem de vigilância que será batizada de Guarda de Honra. Ela protegerá sua família e o país, a vigilância será correta. O país precisa crescer e comigo estará no caminho certo.”

Decretou a campanha pão, leite, e café da manhã, porém teve a primeira revolta que com muito “carinho” o senhor resolveu. Com o acordo o país estrangeiro começou a tomar conta do petróleo e implantaram no país seus produtos, restaurantes, lanchonetes, redes de lojas de roupas e sapatos, supermercados, cinemas, brinquedos, qualquer tipo de produto, o povo estava cego com tanta beleza e o senhor podia conduzir seu poder.

Houve revolta tão certo o senhor previu e caçou os baderneiros e os puniu em praça publica, o senhor deu ordem para mais punições e o medo e a confiança aumentava. O senhor pouco ligava para os produtos estrangeiros e comentava para sua mãezinha querida. “Eles me temem mãe.” Sim, naqueles invernos passados o senhor era o presidente.

Não tardaram para a Guarda de Honra sair em patrulha, muitos diziam que eram assustadores, cães de guarda do presidente e que falavam que a liberdade tinha acabado. Sua querida mãezinha dona Catarina aconselhou uma nova casa presidencial, uma que seria da altura do filho, uma digna para ambos. Sendo assim o senhor contratou engenheiros, servidores de obras, arquitetos, decoradores, tudo que pudesse contribuir com a construção da nova casa. Em poucos meses a casa foi construída, grande, bonita e que possuía a altura que o senhor escolheu para olhar o país. Sua mãe amou a quantidade de dormitórios que a casa possuía, uma festa de inauguração aconteceu, festa grande que terminou ao amanhecer. No dia seguinte o senhor deu um esclarecimento para a população sobre a nova casa o porquê da sua construção, uns aceitaram, alguns falavam que a casa foi feita com o dinheiro dos impostos, jamais foi provado. E o senhor não tinha o que reclamar nem sua mãezinha querida. “Nós precisamos retomar o que era nosso.” “Como mãe?” “Acabando com os miseráveis que o botaram neste lugar.” “Não tenho mais o poder, a senhora sabe disso.” “Não me contrarie garoto, não conhece sua mãe? Eu darei um jeito.” “Quero comer mãe, tô com fome.” “Não tem nada pra comer?” “Não mãe. Preciso comer.” “Deixa a fome de lado, esquece.” “Seu filho precisa comer, eu...” “Chega merda! Eu entendi, pegue o revolver que está dentro daquela caixa de sapatos e só volta quando conseguir alguma coisa. Anda, saia desse colchão, ainda é dia.”

...

(Continua)

Rodrigo Arcadia
Enviado por Rodrigo Arcadia em 20/02/2011
Código do texto: T2803747
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