O Coador de Leite

Pai e filha moravam em um pequeno apartamento. O idoso nunca saía de casa. Vivia com um pijama listrado azul e branco. Dormia um pouco, levantava, ía para a sala, olhava televisão e tornava a deitar. O barulho de seus passos miúdos e arrastados em comunhão com o som da máquina de costura de Verônica formava a trilha sonora de suas vidas.

Verônica acordava cedo e servia o café para o pai, um homem ainda lúcido, apesar de ter mais de noventa anos, que apreciava café com leite, somente nas primeiras horas do dia.

Aquela manhã ela reparou pela primeira vez na mão enrugada, com pequenas manchas pretas que tremia tentando resgatar a nata que boiava na xícara. O idoso tentava capturar a nata, mas ela escapava. Uma nova tentativa e a nata escapuliu da pequena colher. Tentou novamente e a nata submergiu, junto com a colher, aparecendo em outro ponto da superfície do café com leite. Verônica procurou na gaveta e não achou nenhum coador . Olhou para o pai cabisbaixo e compenetrado tentando livrar seu café com leite da nata. Seu semblante era de desânimo e fadiga. A filha pegou uma colher e com um precisão felina capturou o que incomodava tanto o pai.

Quando foi ao supermercado encontrou um coador de leite. Era simples, branco e de plástico. Não havia outro. O jeito era levar aquele, apesar de desejar um de aço inox.

No dia seguinte, depositou o café na xícara e logo depois passou o leite pelo coador. Olhou para o rosto do pai, onde brotava um sorriso de satisfação. Quando ela terminou de fazer a mistura, o pai segurou no coador. Sorriu encantado, observando a nata presa ao objeto. Revirava e apreciava o coador de leite. Fez a refeição com uma satisfação maior. Até repetiu seu café com leite e quando a filha passou novamente o leite pelo coador ele abriu um sorriso de satisfação e alegria.

E na manha seguinte tudo se repetiu. A filha despejava o leite na xícara através do coador, sorria para o pai que lhe retribuía o agrado com um sorriso de agradecimento e faceirice, igual ao de uma criança que ganha um brinquedo novo.

A filha lavava a louça. O pai parou em pé ao seu lado e pinçou o coador entre as louças na pia, que estavam limpas. Olhava maravilhado para o objeto que naquele momento era o seu mais precioso e querido bem.

Paulo Antonio Branco
Enviado por Paulo Antonio Branco em 18/02/2011
Reeditado em 18/02/2011
Código do texto: T2800194
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.