“EM ALGUM LUGAR DO FUTURO”

Tarde da noite comecei a refletir. Iniciou-se uma crise de angústia que todo homem da minha idade nos dias de hoje tem. As minhas reflexões começaram a me levar para todas as direções. Quando a meia idade chega, vem com todas as suas complicações. A mente passa a julgar atos, avaliar sentimentos e viver a vida como nos tempos da adolescência. O que será do mundo? O que será da vida? Para onde estamos indo? A verdade é que tudo que vem à mente é o que sentimos no dia a dia. Tanta correria, tanta velocidade, os computadores, o rádio, a TV, a mídia em geral unem os povos em fração de segundos. Só não conseguiram conter a nossa desestrutura. Há pelo menos vinte anos aguardamos por uma redenção.

A verdade é que os filhos dos anos oitenta, adultos agora, como eu, detentores do poder de tocar os destinos do mundo, falhamos. Ainda estamos juntando os nossos cacos, as nossas caras no chão, mas é duro admitir que falhamos por completo. Na época em que éramos crianças, vivíamos a esperança de um futuro, nos anos dois mil, de felicidade e fraternidade. O mundo moderno iria trazer um futuro de tecnologia, conforto, segurança, paz na Terra, mas sabemos que estas coisas ficaram no plano das fantasias e utopias. Não queríamos salvar o mundo, isso é verdade, apenas queríamos poder viver o futuro “futurista” que tanto prometiam os “enlatados americanos”, os filmes de Hollywood, as novelas, os desenhos, os brinquedos, as brincadeiras, ou seja, tudo aquilo que vivemos. Queríamos viver para sempre como num sonho, ou até na ficção científica. O que sobrou daqueles dias? O que foi aquela época de magia e por que vivemos aquela fantasia de que carros voadores e computadores junto com os robôs “iriam dominar o mundo”? Eu acreditava que hoje estaríamos voando regularmente, como turistas, para a lua, Marte ou até para o sol. Enfim, viajaríamos por todo o universo.

Bem, sigo na minha angústia. A cabeça dói, a noite não passa. O frio é intenso, mas, incrivelmente, o céu é estrelado. Belo Barroquismo da vida atual. A poluição “inunda” a cidade e o céu ainda tem condições de ficar de “brigadeiro”. Todo mundo matando uns aos outros. Estamos fechados nos condomínios, transformando estes em novas cidades, querendo que tudo seja muito mais que perfeito em relação ao mundo lá fora. A grande obra “Admirável Mundo Novo”, escrita ainda no século XX, que me permita: vivemos dias, senão semelhantes, bem parecidos com esta terrível previsão feita por Aldous Huxley ainda em 1931.

Dirijo-me à minha cama mas esta está tão fria e sem vida que retorno para a janela. Olho a vida lá fora, vazia, ruas sem pessoas. Nestes dias, às 19h, todo mundo se recolhe. Difícil viver numa grande cidade. O “nosso mundo seguro” dos prédios, dos síndicos governadores de vidas, mantém a certeza da vida em segurança.

A minha angústia aumentou mais ainda. Amanhã tenho que sair para comprar o pão e ir ao supermercado. Será que vão me assaltar? Será que voltarei vivo dessa simples ida de cinco minutos para comprar víveres? Seria melhor montar uma loja dessas aqui no prédio... Vou enviar um e-mail ao pseudogovernador sugerindo isso. Desse jeito não precisarei mais correr riscos. Tento a televisão para me acalmar, mas na TV a cabo, esta hora, só passa aqueles canais que ficam mostrando produtos para comprar. Corro os canais e acho um canal que mostra uma mulher fazendo strip. Ela é americana, sem graça, mas dá para o gasto. Começo a me excitar. Começo a perder a angústia. Sexo de graça e seguro, era tudo que talvez eu precisasse. Inicio a nova forma de sexo, o autossexo, excelente para os dias de AIDS de hoje, mas tudo se modifica e voltamos àquela sensação de desespero. Penso na mulher com quem mantenho relações. Isso mesmo, nesta altura da nossa sociedade, não temos mais relacionamentos duradouros, somente sexo casual. Mesmo assim comecei a sentir falta dela. É uma bela loira siliconada, mas ela mora do outro lado da cidade. Isso pode ser perigoso. Que chance tenho de sair, ir até ela e voltar são e salvo? Nenhuma. O meu carro não seria páreo para os meliantes e delinquentes que vivem nas ruas modernas. Decidi esquecê-la naquele momento. O autossexo teria que ser a minha saída. Não havia escolha. Terminado o strip, terminada a sede masculina, procurei relaxar. Em vão, agora vinha a culpa. Culpa por não ter feito nada anos antes para reverter a situação que esta vida prisioneira nos impõe.

Talvez nada aconteça, porque todos, como eu, estão remoendo decisões e, lá fora, a qualquer hora do dia ou da noite é um paraíso sem lei. A prisão apartamento é um local mais seguro. Tenho trinta e cinco anos e não convém arriscar. Não tenho mais controle do mundo nem do que vou viver daqui a segundos, minutos... Recolho-me à minha insignificância; melhor parar de pensar em salvar alguma coisa que não seja a minha própria vida. Salvar a própria vida já é perigoso.

O frio continua, as horas passam, e nada do sol aparecer. Está ficando cedo, mas a cinza poluída que mata os corpos aos poucos não deixa o astro rei reinar. Agora vou tentar trabalhar. Vou até o meu escritório num dos quartos do “meu mundo” e abro o notebook. Nada de novo. Segue a vida do jeito que a recriaram, depois que viram que o século XXI era o século da queda por completo da vida como a conhecíamos.

Olhei tudo em volta e não consegui conceber algo que me fizesse acreditar que ainda tínhamos alguma saída. Tudo à minha volta era fruto de um mundo falso, tentativa desesperada de homens de salvarem-se de suas criaturas e de suas criações. Matar-me era uma saída, mas, além da mesquinhez que vivi nestes últimos anos, um ato de covardia não poderia coroar a minha saída definitiva. Era melhor esperar algo que fizesse isso por mim. Tinha sido nulo e omisso e mais uma vez esta era a minha escolha. As notícias que vinham pelos sites na internet, que finalmente tomei coragem de ler, não traziam nada de novo. Somente violência, dor, desespero, e a construção de mais prédios com o objetivo de proteger pessoas. As ruas, como eu já havia mencionado, eram territórios sem lei. Tanto que. para irmos à padaria, medo incipiente descrito anteriormente, precisávamos de carros e roupas blindadas. Isto era uma tentativa de reagir ao ataque de um delinquente e não sair ferido. Hoje tudo estava demais. Contei 158 notíciais de crimes por toda a cidade. Será que isso nunca iria acabar?

Senti um vazio... o frio de uma vida cinzenta ficou mais forte à medida que comecei a me interessar pelo que lia. Vi que não havia outra chance. Tinha que partir do mundo com o objetivo de, talvez, encontrar um pouco de liberdade, um pouco de paz. Decidi-me. Fui até a minha “farmácia particular” para tomar algo que me fizesse resolver o problema. Desesperei-me quando percebi que não tinha um remédio que me fizesse justiça, pelo menos com a minha alma. Voltei ao notebook e escrevi talvez o meu maior desejo e sonho para todos os humanos.

Acabei de escrever e voltei ao meu desespero. Fiquei muito nervoso, dei tantos murros na parede que comecei a me sentir mal. Será que estava morrendo? Esmurrei mais e mais e mais, até que....

NOTÍCIA EM MÍDIA DE GRANDE CIRCULAÇÃO NA HIPERNET

“MORTO NO CIDADELA: ACHADO 50 ANOS DEPOIS”

Metrópole I - SUCURSAL – Fora encontrado hoje, às 6h, horário local da ZONA DE SEGURANÇA, 36, a ossada de um homem com mais ou menos 85 anos, cujo documento digital de identidade indentificava-o como nº 156589. O exame preliminar da perícia da polícia científica determinou que a morte ocorreu há pelo menos 50 anos. Não há indícios de crime, mas sim de morte por causas naturais, possivelmente de falência múltipla dos órgãos e, principalmente, por um infarto fulminante do coração. O cientista que cuidou do caso informou que a referida ossada só foi encontrada por conta da análise periódica das cidadelas para desocupação de mortos. Imediatamente, toda a ZONA DE SEGURANÇA foi avisada de mais uma vaga para futura ocupação. Minutos depois, a cidadela de número 63 foi ocupada por outro cidadão moderno.

Ninguém quis comentar o ocorrido. Havia apenas uma proteção de tela no notebook um tanto quanto estranha. Nela estava escrita uma frase em letra Arial Black 78

“LIBERDADE, SONHO, AÇÃO E PAZ”

Nenhuma informação a mais conseguiu ser apurada. Ninguém para reclamar os restos. Investigação e desocupação encerradas.

***LEIA ESTE E OUTROS TEXTOS E APROVEITA A BOA MÚSICA***

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