O Laço (The Noose)

Algumas músicas me fazem sentir algo que não consigo definir. Sinto um ligeiro aperto no peito, uma sensação bem discreta, e algo arde de um jeito suave entre os meus olhos, dentro da minha cabeça. Consigo sentir pontadinhas preguiçosas estendendo-se pelo meu corpo, tomando meu peito, descendo para minha barriga, envolvendo o meu espírito com tentáculos pegajosos e aconchegantes. É difícil dizer direito o que é isso. Se você não entendeu, não se preocupe: estamos no mesmo barco.

Acontece que, em alguns momentos, estamos com a guarda tão baixa que as coisas simplesmente acontecem. É como tropeçar e cair num rio sem saber nadar. Você pode até tentar bater braços e pernas de um jeito descoordenado, desesperado, mas não vai conseguir sair da correnteza. Ela simplesmente arrasta você para onde segue, e você, bem, você vai junto. Sem defesa. E, em alguns casos, talvez seja bom que você não faça nada e se deixe levar. Às vezes, lutar só piora as coisas.

E foi justamente naquela sexta-feira, depois de chegar em casa do serviço, que eu desisti de lutar e me deixei levar. Algumas pessoas conseguem suportar por tempo suficiente ter um buraco no espírito, um vazio latejante e ansioso por ser preenchido, mas que só fica ali, aberto, faminto, esperando por uma eternidade. Raras são as pessoas que suportam esse vazio para sempre. Eu não admiro essas pessoas, nem as outras, mas fico surpreso com sua capacidade de suportar essas coisas. Eu não consigo. Estressa. Irrita. Enlouquece. A comida deixa de ter sabor, o sol só proporciona aquela sensação detestável de queimação incômoda, as horas se arrastam e zombam de você, da sua solidão, da sua ansiedade. Isso vai enfraquecendo todos os alicerces em que você se constrói - sim, presente, eterno presente, pois nem mesmo mortos estão terminados.

Larguei as coisas na cama e tirei a roupa sem pressa. Às vezes, eu sinto (ou sentia) uma espécie de prazer muito particular ao chegar em casa do trabalho e tirar a roupa. Entenda, isso pode parecer algo muito viajante, talvez até forçado, mas há um certo simbolismo nisso. Eu tentava tirar toda aquela tensão que havia se acumulado durante o dia em minhas roupas, aquele cheiro de relatórios e reuniões e indicadores impregnado em cada dobra, em cada costura. Mas isso é só parte do processo. Esse mesmo cheiro fica grudado na pele junto com o suor, a sujeira do ar-condicionado e a imperceptível fuligem que os pulmões da cidade exalam.

Enfiei as peças no cesto de roupa suja, debaixo da pia do banheiro, e fui tomar uma ducha. Até que tive algum sucesso em tirar aquelas crostas de tensão e responsabilidade do meu corpo, mas acho que esfreguei com um pouco mais de força que o necessário. Quando você cava fundo demais, acaba vendo coisas de si mesmo das quais não gosta. É nessas horas, sozinho consigo mesmo, sem nenhum tipo de fuga ou máscara ou desculpa esfarrapada à mão para tirar você dessa situação, que as coisas realmente pesam. Ninguém nunca, jamais, será seu pior crítico do que você mesmo. Quando nos criticamos, vamos justamente naqueles pontos mais sensíveis, mais delicados, mais dolorosos, e enfiamos os dedos na ferida até o talo, e remexemos até o sangue jorrar. Todo mundo carrega um bocadinho de sadomasoquismo dentro do coração e aquela vocação de brincar de escravo e dominador ao mesmo tempo.

Tentei não dar atenção ao que eu escutava de mim mesmo. Tomei meu banho o mais rápido que pude. É uma das piores sensações do mundo sentir-se preso consigo mesmo. E eu me senti assim. Eu me sentia assim, aliás. Hoje, eu já não tenho tanta certeza. Talvez, lá no final, você entenda. O fato é que saí, me enxuguei e coloquei uma música no quarto. E foi aí que tudo começou a acontecer. A música só foi o gatilho que faltava. Exposto como estava, aquele vazio cresceu com a música. Era como um buraco negro me puxando para dentro, e não havia como escapar. Sentei na cama. Fechei os olhos. Tentei respirar de um jeito compassado, tranquilo, tentando acalmar os pulos desesperados do meu coração, mas não consegui. Senti os olhos arderem. Alguma mão invisível, provavelmente saída daquele limbo aberto dentro do meu peito, me segurou na garganta e me apertou, com força mesmo, como se quisesse me subjugar, me dominar... Ou, talvez, fosse aquela força que se usa para agarrar a última raiz à beira do precipício e evitar a queda mortal. Pensando melhor agora, talvez não fosse um gesto de brutalidade: talvez fosse o último gesto desesperado de alguém que não quer morrer.

Coloquei a música para repetir. Voltei para o banheiro. Peguei o estojo de barbear. Entrei na banheira. Abri as duas torneiras, de água quente e água fria, e fiquei ali, deitado, a cabeça encostada na borda gelada e dura da banheira enquanto ouvia a música e sentia aquele vazio latejando dentro de mim. Os olhos ainda ardiam. O peito doía lá no fundo, não na carne, mas de um jeito que refletia no corpo. Fechei os olhos. Senti como se alguém estivesse pressionando as minhas têmporas, quase como se estivesse num torno e a intenção fosse esmagar a minha cabeça.

Senti meus dedos deslizando pelo pequeno estojo de barbear. Ouvi o zíper sendo aberto. A madeira rugosa e o metal liso da navalha estavam logo ali. Joguei as coisas para fora da banheira quando peguei o que queria. A água já estava no meio do meu peito. O som suave da lâmina deslizando para fora fez os pelos do meu braço arrepiarem. Era um som lindo. Libertador.

Os suicidas romanos, segundo li muito tempo atrás, costumavam cortar os pulsos enquanto estavam numa banheira com água morna. Não havia nenhum objetivo filosófico, poético ou religioso com aquilo. Na verdade, era uma questão bastante prática: a água dilatava os vasos sanguíneos, o que fazia o sangue vazar mais depressa. Sempre pensei que, para alguém chegar ao cúmulo de dar cabo da própria vida, era preciso ou muita coragem, ou muita burrice. Engraçado que, quando cortei meu pulso, não sentia nem uma coisa, nem outra. A única coisa que havia era aquele vazio, aquela sensação de não estar completo, de não estar inteiro. Eu não fui vítima de nada. Eu também não cometi nenhuma atrocidade. Eu apenas sucumbi. Deixei que a correnteza me levasse. Só isso.

E não houve dor. Senti a pele e a carne cedendo sob a lâmina da navalha, e, manso, o sangue começou a fluir. Deixei de reparar em meu corpo distorcido através da superfície ondulante da água para observar como aquela mancha vermelha espalhava-se, misturando-se à água, turvando tudo. E só foi nesse momento em que aquela ardência nos olhos e as pontadas no corpo sumiram. A força foi embora com meu sangue, pouco a pouco, e um sono absurdo começou a pesar em minha cabeça. E a última coisa que ouvi antes desse vazio dentro de mim me devorar foi a música que iria embalar meu último sono.

Não sei se alguém me encontrou. Não sei o que aconteceu. Não me interessa, realmente, aqueles que deixei para trás. Egoísmo? É, é provável. Dizem que não se pode esperar muita coisa de um suicida. Está tudo escuro aqui. E é quente e aconchegante como o útero materno. Não ouço nada. Não vejo nada.

Não há mais nenhum vazio dentro de mim. Agora, eu é que existo dentro dele.