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Queixa

Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza
                          Queixa - N.Siqueira / E. Neves



                   Desceu a rua cega de raiva e dor, as lágrimas lhe confundindo os sentidos. No que lhe restava de bom senso pensava que era até bom ELE não estar por perto, pois  o tantinho de consideração que ainda lhe restava por ser o pai de seu filho iria por água abaixo.
                Perguntava-se como é que se enganara tanto com alguém... como amara um personagem...alguém que só existiu na sua imaginação...o ser real era mesquinho, torpe, egoísta, incapaz de qualquer afeto verdadeiro.
                 Cega de raiva e dor lembrou-se do quanto foi explorada, espoliada. Do quanto cedeu, concedeu. Lembrou também que tudo tem um limite, principalmente a capacidade de perdoar, de entender, de ser tolerante.
                 Entrou numa delegacia e desabou:“Quando aquele desgraçado entrou na minha vida, eu já possuía essa casa, fruto de anos de trabalho e sacrifício. Entrou na minha vida, hoje eu sei, como Judas na vida de Jesus, para ser falso e traidor. Achei que arranjava um companheiro mas arranjei um encosto, um chupim.Seu salário que sempre foi maior que o meu nunca dava para pagar nada porque estava sempre enrolado, cheio de dívidas.Um mês era isso outro aquilo e eu tendo paciência de santa. Não. De santa não. De imbecil, burra, cretina.No tempo que estivemos juntos tivemos um filho e ainda assim a carga pesava apenas para o meu lado.Plano de saúde, depois escola, transporte escolar...Estudei, mudei de emprego, cresci na carreira. Até que tropecei nas fotos das farras, das viagens, nos recibos do cartão de crédito de equipamentos caros guardados no escritório, das roupas e perfumes caros que sempre dizia que ganhava das irmãs, da mãe.Como não me sentir traída, enganada? Como desculpar as privações que passei para honrar NOSSOS compromissos e ele agindo assim, rindo de mim, da minha credulidade? Expulsei-o de minha vida como se joga entulho fora.Porque era isso que ele era. LIXO. Morri de tristeza porque pasmem, eu o amava mas servidão tem limite, humilhação e burrice  também. Apareceu uma oportunidade de melhorar minha posição e salário e mudei de estado.Instalei-me e agora retorno para organizar minha vida por aqui e encontro minha casa de fechadura trocada, com tudo que é meu e de meu filho vendido, segundo os vizinhos.Disse ainda para eles "Agora ELA é rica, não vai mais precisar de nada daqui”. Estão aqui todos os documentos que comprovam que a casa é minha e que tudo dentro dela era meu. Eu quero uma escolta e um chaveiro para reabrir minha casa e aquele desgraçado longe da minhas vistas.Conclui,  tem um tempinho, que havia casado com um sujeito sem caráter algum e agora sei também que foi com um ladrãozinho desqualificado, um explorador de mulheres disfarçado de bom moço!Senhor delegado, ouça bem, eu não sou uma ex mulher fazendo queixa do ex marido. Eu estou prestando queixa de um roubo, entendeu?"
               Cega de raiva e dor olhou a "platéia" em volta, hipnotizada com sua explosão de desespero e pensou que nenhuma relação deveria acabar com tanto desrespeito.

Da série : Histórias de vida de mulheres comuns