Lord Jeferson

Lord Jeferson.

Era meio-dia, Jeferson despertou como sempre acontecia. O sono se foi tão rápido quanto havia chegado, como se houvesse um interruptor que ligasse as luzes do cérebro o impedindo de ter aquele despertar letárgico tão comum a toda a gente. Com o corpo pesado sentou-se na cama e observou o relógio, acendeu um cigarro e observou como tudo aquilo era prosaico, se sentia mesmo um pouco beat nesses momentos, mas era nessas horas em que avaliava o que estava sentindo por dentro e se perguntava se os próprios beats gostavam de sentir-se daquela maneira ou sempre simples falta de perspectiva. No dia anterior havia conhecido alguns amigos de uma colega de trabalho com quem havia, naquele dia, terminado de filmar as ultimas cenas de “Sex Gonzo 3”.

Por mais que já estivesse a mais de cinco anos atuando no meio dos filmes “adultos” ainda se flagrava a observar como era aquele tipo de processo, que às vezes acontecia de primeiro transar com a mulher e depois conhecê-la. Era o que havia acontecido naquela sexta-feira, ultimo dia de gravação. Foi a primeira vez que havia gravado com Suelen, cabelos louros, pele lisa e rija, seios firmes e siliconados e tudo o mais com que ele já estava acostumado, com exceção de alguns detalhes, na grande maioria das vezes, tudo não passava da variação de cor e tamanho, no conjunto todas elas eram idênticas. Inclusive intelectualmente, nesse ponto ainda pior, falavam sempre das mesmas banalidades, gostavam sempre das mesmas coisas, iam aos mesmos lugares, consumistas e algo que ele chamava de “pseudo-porras loucas”. Mas em Suelen percebeu algo diferente, como acontecia em duas de cada dez vezes que gravava com atrizes que acabava de conhecer.

Depois da gravação conversaram sobre algumas generalidades e no final das contas ela o convidou para uma noite num lugar chamado “Outs” na rua Augusta. Conheceu alguns dos amigos dela que na maioria eram mais uma daquelas figuras que pareciam ter realmente obsessão por camisas de flanela e filmes Cult. Mas fato é que naquela noite conseguiu conversar bem como já não fazia há muito tempo. Falou-se muito em geração beat e filmes Cult e todo tipo de generalidades alternativas. Cocaína, cerveja, vodka e logo viu a sua volta um monte de hipsters com cabeça de Andy Worrow, que por muitas vezes abstraiam-se da atmosfera intelectual para se afundar de maneira infantil nas generalidades cotidianas, se posicionando sobre tais coisas de maneira que se desvinculavam totalmente do discurso Cult do momento anterior. Mostravam-se terrivelmente moralistas algumas vezes até mesmo cristãos.

Jeferson estava no segundo ano do bacharelado de filosofia da USP, sentia no seu agudo ego intelectual uma vontade enorme de dizer em vários momentos “mas essa merda já foi superada, vocês deveriam viver mais o contemporâneo, buscar entender o contexto social no qual estão inseridos, PUTA QUE O PARIL!”, mas era interrompido por alguma outra questão que sobrepujava outra e outra num eterno ciclo de maneira que no momento seguinte já havia deixado de lado a premissa anterior. Foi uma noite realmente boa. Legal mesmo foi quando ele recebeu uma pergunta trivial de um dos hipsters que ali estava.

-Você é bem inteligente, você estuda alguma coisa? – a pergunta veio de um dos críticos da roda, que tão crítico era que chegava a ser medonha a maneira como ele ignorava quantas neuroses absolutas ele confundia com verdades reais sociais, mais um burguês de classe B que via a intelectualidade como uma dádiva única da burguesia, salvo as extremas exceções comprovadas nas artes como Machado de Assis.

-Não – simples direto e sem rodeios, foi tudo que ele teve a dizer entre aqueles estudantes de design, relações publicas e outros tantos cursos de universidades como Mackenzie, PUC e outras instituições.

A resposta foi como um banho de água fria na conversa, pois todos já sabiam antecipadamente que era mentira o tal fato, pois Suelen o havia comentado com um dos convivas, via telefone, a caminho do lugar. Todos estavam preparados para começar mais um debate pseudo-intelectual, um daqueles debates que na verdade não o são, são na verdade apenas polemica de gente que pensa que pensa, quando na verdade estão apenas defendo opiniões de puro caráter subjetivo e por fim inflando seus egos. Tanta foi a segurança na resposta de Jeferson que se quer questionaram a mentira dita, até mesmo Suellen corou um pouco de ter dito ao telefone o que dissera, imaginou que o novo amigo, por algum motivo estranho, tinha vergonha de dizer que cursava um curso superior, ainda mais sendo a instituição na qual estudava.

Alguns instantes de silêncio se seguiram, algumas baforadas de fumaça e logo as generalidades tomaram mais uma vez o espaço da tribuna. Assim o foi até o final da noite entre mais bebidas e alvas carreiras. Até que por fim viram que o metrô já estava funcionando e que o efeito da cocaína já permitia algum sono. Resolveram se despedir. Uma despedida simpática como todas as convenções sócias exigiam, beijos no rosto das meninas e apertos de mão para os rapazes, todos voltariam acompanhados, mas Jeferson quis seguir seu caminho sozinho, pois ainda estava escuro e queria ainda um pouco sentir os ares da noite da Rua Augusta, que tanto lhe traziam paz por algum motivo que ele ignorava.

Sabia que naquela noite Suelen gostaria de ter ficado com ele, ainda que apenas para conversar, (pois o interesse pelo sexo era mutuo, mas não tão voraz quanto no resto das pessoas) mas ele sabia, além disso, que havia estragado tudo com aquele simples “não”.

Subiu a rua com passo controlado, apesar de um pouco acelerado pelo que restava da droga em seu organismo, mas ainda o bastante para sua atividade contemplativa, que sempre experimentara durante toda a vida e que veio mais tarde a chamá-lo para a filosofia. Oscilou entre a felicidade de ver a vida urgindo ainda àquela hora da madrugada e pesado “e daí” que vez por outra lhe assaltava mesmo quando não estava sob efeito do álcool. Por fim deitou-se na cama do seu apartamento no bairro da Vila Formosa, já totalmente em paz consigo e com o mundo, e agradecendo a si mesmo e à natureza por mais uma noite de vida exaurida de uma forma que tanto gostava.

Como não haveria nenhum compromisso naquele dia resolveu desligar o telefone e passar uma tarde de uma das maneiras que mais adorava; leitura, reflexão, se inspirado, algo no papel, se não umas dozes de Black Label e alguma sonata de piano a contemplar o entardecer da estreita sacada do apartamento no 12° andar. Pensou em toda aquela noite que havia se passado e então resolveu retomar seu hobby preferido, sentou-se ao computador, buscou algumas imagens, escreveu algumas palavras e compôs mais uma de suas intervenções urbanas. Olhavam para ele a mesa de camarim, que tinha dentro do quarto, a barba falsa, a peruca a maquiagem e o figurino de hippie pendurado nos cabides da arara ao lado do espelho, com todas aquelas cores da bandeira jamaicana, o jeans velho e surrado e o tênis que se encontrava no pior estado possível. Ele sorriu feliz e malicioso.

Saia de casa de hoje, pegue o metrô da linha vermelha e desça na estação Anhangabaú, vá sentido a Rua Augusta e suba a mesma e verás, vez por outra, em um poste um desenho caricato de um hipster com camisa de flanela e calça jeans, segurando uma placa com os dizeres “Eu sou a salvação” e logo abaixo do quadro uma mensagem com o seguintes dizeres:

“Ass. Apenas Mais Um Humano Demasiado Humano, Contra Essa Merda de Mundo Cartesiano, À Favor de um Novo Mundo de seres humanos do Bio-Psico-Social”.

Italo Jorge.