A Escrava

Elisa criou três filhos e agora seu marido lhe deu uma nova missão: cuidar de um cachorro.

Há tempos, Elisa não encontrava mais sentido e nem prazer em sua vida. Casou com um homem medíocre, sem iniciativa e pouco estudo, que nunca a deixou trabalhar ou estudar, com medo de que os chefes, os colegas ou algum professor dessem em cima de sua esposa. Vivem com um orçamento apertado. Primeiro vem o estudo dos filhos, a seguir a quantia destinada ao sustento da casa, depois as roupas do esposo, que tem que estar arrumado para o trabalho, as despesas com o carro, e, por fim, se sobrarem migalhas, são destinadas a Elisa.

Mas, Elisa não se importa se não pode comprar algo para si. Há muito abandonou a vaidade. Queria apenas se sentir gente: ter um trabalho, uma chance de mostrar seu valor, ter sua independência e um sentido na vida. Da última vez que conversou com o marido sobre isso, apanhou.

- Mulher minha não trabalha fora de casa – foi a frase mais ouvida por Elisa. A afirmação sempre terminou com qualquer discussão. Depois, vinha a porrada.

Tem quarenta e oito anos de idade, uma mulher ainda bonita, que uma vida dura, sem prazeres e ideais castrados, provocou rugas no rosto e na alma. O cabelo perdeu o brilho e o sabão, de tanta roupa lavada, endureceu e secou suas mãos, assim como, seca é sua vida sexual. Sábado é o dia. Ele vem, tira as cuecas, deita sobre ela e a penetra sem sequer lhe dar um só beijo. Às vezes, se está de bom humor, até que dá um que outro na face. Elisa fica ali, agüentando aquele vai e vem dolorido do sexo programado, automático, frio, metódico e previsível, como que, depois do sábado vem o domingo, com a missa e o futebol na televisão, quando ele deita de pijama no sofá da sala, coça o saco e há todo momento, lhe pede uma cerveja. Nessas horas, ele só mexe a bunda, para soltar gazes. Elisa fica na cozinha, olhando para o nada, às vezes tendo que atender também ao cachorro.

Todos os dias, a dona de casa passeia com o animal pelas imediações da residência. Tem um trajeto certo, um itinerário, estipulado pelo marido. Não pode se afastar disso, nem conversar com homens, só com as fofoqueiras da rua, gente medíocre, invejosa, mesquinha, que também tem uma vida vazia. Mas são diferentes de Elisa, que se angustia por saber que sua existência e sua juventude passam sem poder ter uma chance, enquanto que elas não têm a consciência de que exista algo a mais, além de ficar em frente de casa, falando mal dos outros, vendo os carros e as pessoas indo e vindo.

Toda essa castração e falta de perspectivas sociais, culturais, profissionais fizeram com que o sexo fosse sendo enterrado, aos poucos, inconscientemente, por Elisa. Ela já nem se lembra mais quando desejou um homem, ou sentiu tesão, ou ainda, quando teve vontade de se masturbar. Ao caminhar pela rua, não repara mais se um homem é bonito ou feio. Eles são como postes. Não lhe dizem mais nada.

Uma noite, quando o marido foi dormir e lhe permitiu assistir televisão até um pouco mais tarde, ao trocar de canal, viu uma cena de sexo em um filme. Era uma cena quente, que mexeu com Elisa, fazendo com que pela primeira vez, em muitos anos, sentisse alguma coisa no meio das pernas, além da vontade de urinar.

A partir desse filme, notou que um desejo se apoderava de seu corpo. Sabia que o marido nunca lhe daria esse tipo de sexo: ardente e apaixonado. Mas, não tinha coragem de traí-lo. Não saberia mais nem como seduzir um homem, tamanho era sua alienação da vida, causada por anos de submissão ao troglodita. Além disso, não se permitiria ter outro homem. Devido à educação repressora que recebera dos pais e de seus conceitos religiosos, ter outro homem significava não apenas trair o esposo, mas, principalmente os filhos.

Passeia pela manhã e tarde com o cachorro. Depois, faz os deveres de casa, senta no sofá e se deixa ficar ali, triste, imóvel, sem sonhar, porque há muito perdera a capacidade de sonhar.

Uma gota de desejo voltou naquele corpo, ao lembrar das cenas do filme. Mas, foi logo reprimida por Elisa. Chegou a pensar que era bobagem sentir certas coisas, depois de tanto tempo. Ouviu o barulho da máquina de lavar roupa, soltando a água de seu interior no ralo. Achou engraçado ao pensar que aquele era o orgasmo da máquina de lavar. Depois de muito meche-meche, esfrega-esfrega, vira e revira, até a máquina de lavar gozava, soltando todo o seu líquido no ralo. Elisa não tinha orgasmos. Elisa não tinha prazer. Não tinha nem desejo, como, agora, começava a se dar conta. Não tinha fantasias. Se de repente pensasse em sexo, era apenas sendo possuída por um membro, igual a um animal que copula, para procriar. Queria primeiro carinho e uma chance de ser alguém. Depois, talvez as fantasias e a libido voltassem. Chorou por ver o poço de águas escuras, profundas e paradas onde sua vida se afogara. Para não pensar “bobagens”, voltou para a faxina.

Mas, o desejo retornava, teimava e uma tarde quando estava sozinha em casa, retirou o vestido. Alisou suas coxas, passou a mão pelos seios, que já começavam a ficar flácidos e sentiu uma quentura em seu corpo. Estava ofegante e a pele se arrepiou. Os olhos estavam baixos e a boca semi-aberta. Circundou seu mamilo com o dedo. Gemeu, suspirou. Afagou seu meio até sentir seu corpo se contrair, cada vez mais forte, e um intenso gozo tomar conta de todo o seu ser.

Minutos depois, voltou a sentir um vazio. Aquele orgasmo sem fantasia, nem luxúria, sem pensar em alguém, era apenas um gozo de uma necessidade, não de um prazer.

Ficou ali sentada nua na poltrona, chorando, observada pelo cachorro que parecia entender o que estava se passando com sua dona. Tinha jeito de ser mais sensível do que o dono. Elisa sentia raiva e nojo do marido. Como aquele homem pôde acabar com sua vida, do jeito que ele fizera. Como ele matou seus desejos, sua sexualidade, amputando-os de seu corpo, transformando-a apenas numa escrava, numa máquina, que nem sequer tinha o direito de adoecer, porque não teria quem fosse servir aos quatro homens da casa. E chorou, principalmente, por pensar no absurdo de que a doença mudaria sua rotina, e aí talvez por alguns dias teria um pouco de carinho e atenção, que durariam até a casa e eles precisarem dela. E ainda assim, seriam carinhos e atenções dentro dos padrões de seu marido, que acabariam se transformando em bofetadas, quando ela lhe pedisse seu direito ao trabalho e à vida.

Teve vontade de fugir, largar tudo e sair correndo sem rumo. Lembrou dos filhos, de seus pais, e de suas irmãs que passavam pela mesma situação, talvez sem a consciência que dela se apoderava, e se viu sem saída. Chorou ainda mais, desesperada, ao pensar que só teria uma chance de mudar, de ter uma vida nova, se morresse e nascesse novamente. Aí, não se importaria de nascer outra vez mulher, porque, ela via que muitas dessas novas garotas, as adolescentes, já não se submetiam às normas machistas, moralistas, religiosas e preconceituosas, que ela foi obrigada a seguir.

Nunca poderia se conformar com sua sina. Mas, tristemente, após tudo o que sentia, não conseguia ver uma saída. Ainda chorando, pegou no pano de pó e foi cuidar da casa.

Paulo Antonio Branco
Enviado por Paulo Antonio Branco em 06/02/2011
Reeditado em 28/02/2011
Código do texto: T2776028
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