O Solteiro

Se amava Camila? Amava e como amava. Mas casar-se, já era demais. O matrimônio é o fim de qualquer paixão, afirmava Viana. E exatamente por isso, teve de terminar com ela dois dias antes daquele fatídico dia. Não seria justo enrolar a moça por mais tempo. Se sofreria? Claro que sim, talvez a dor durasse um semestre ou quem sabe dois, mas não era nada comparado à amargura de um casamento.

Na manhã seguinte, Viana foi acordado com o som incessante da campainha. Não atendeu, tinha a certeza que era Camila, talvez com um buquê de flores ou bombons, dependendo da intensidade da paixão, era possível que fossem os dois. Mais tarde recebeu um torpedo no celular. Não leu. Era previsível a frase escrita em caracteres resumidos, seguidos de alguns sinais gráficos, Amo vc:) . À noite, o porteiro lhe entregou uma caixa, não quis receber. Pediu ao homem que desse ao primeiro mendigo que passasse pela rua. Mas o porteiro veio a insistir, contou-lhe que fora posta ali por uma moça pela manhã, de modo que teve de levar o presente consigo. Assim que chegasse ao apartamento o jogaria na lixeira, não queria qualquer lembrança daquele relacionamento moribundo.

Tão logo chegou ao apartamento, deixou a caixa em cima da mesa. Não olhou os recados na secretária eletrônica, foi direto para o banheiro. Mais tarde resolveu sair. Quem sabe não arrumaria uma garota que não estivesse afim de casamento? Não arrumou. Ficou sozinho em um canto, embriagado. A saudade de Camila lhe invadiu o peito novamente. Voltou para casa, adentrou o apartamento, sem coordenação motora, quebrou o vaso que ornava a mesa de canto, presente de Camila. Tinha gosto refinado a garota. Lembrou da briga que tiveram dois meses antes pela insistência da moça em redecorar, aos poucos, seu apartamento.

Apesar de bêbado, a insônia se fez presente. A cama crescia às sextas feiras sem a presença da jovem. Levantou-se para comer alguma coisa, não tinha nada. A geladeira vazia afirmava a ausência feminina. Decidiu ir para sala assistir a um pouco de TV. Entre inúmeros programas religiosos, encontrou uma comédia. Conseguiu esboçar alguns sorrisos entre uma lágrima e outra.

A insônia veio a persistir. Caminhou pela casa. Lembrou-se da caixa, posta na mesa. Em um impulso, quase a abriu, mas conseguiu se conter. Sabia que bastava abrir o envelope para que a separação tivesse um fim. Para impedir qualquer impulso, atirou a caixa pela janela. Meia hora depois pegou no sono.

Ao sair pela manhã, tropeçou na caixa posta em frente a sua porta. Ainda pôde ver a síndica adentrando o elevador. Com certeza, ela encontrara o objeto e como seu nome figurava em um cartão preso ao lado resolveu devolver. Colocou o caixa mais uma vez na mesa, ao retornar do trabalho daria um fim naquele objeto.

Trabalhou por duas horas, mas a lembrança constante de Camila não lhe permitia se concentrar em qualquer atividade. Saiu correndo. Pegou o carro e foi para casa. Admitiu para si que não conseguiria viver sem ela. No caminho de volta, pensou nos amigos. Seria motivo de piada por um bom tempo. O príncipe dos solteiros, era assim que o chamavam, iria se casar. Mas isso já não importava. Sua única preocupação era reatar com Camila.

Assim que entrou em seu apartamento viu a caixa. Que presente Camila teria escolhido? Jean Paul, ela sabia que ele adorava aquele perfume. Poderia ser também sua famosa caixa de charutos. Ou teria sido mais original? Quem sabe algum kit de produtos eróticos? Mas no fundo não faria diferença, o que quer que fosse seria apenas mais um símbolo da retomada do seu relacionamento.

Antes de abrir a caixa, pensou mais uma vez na sua vida de solteiro. Mas não haveria benefício que valeria a pena. Precisava de Camila. Apressadamente, rasgou o papel do presente. Demorou alguns minutos para reconhecer o objeto. Não pôde acreditar. Para ter certeza, pegou o celular e entre outras propagandas da operadora, conseguiu encontrar a mensagem de Camila em caracteres maiúsculo do dia anterior, DEIXO-TE O MEU CORAÇÃO.

Viana jamais teria certeza da morte de Camila, não fosse a polícia entrar em seu apartamento informando o óbito da moça. Viana teve de acompanhar o detive à delegacia. No caminho chorou pela morte de Camila, mas minutos depois, acalmou-se, o destino conspirou em seu favor, mais uma vez sairia solteiro e ileso das celas do casamento.

Rangel Luiz
Enviado por Rangel Luiz em 04/02/2011
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