A MULA TEIMOSA
_Eta! Mula teimosa. Exclamou o velho peregrino.
À noite já beirando às seis horas, empoeira o céu de um negrume amedrontador. Carlinha sai a porta e olha o horizonte; remói na memória - um final de tarde que comparasse aquele - não lembra.
_ Tarde sisuda em mãe?
O menino corre a beira do igarapé assanhando a passarada que procura o sossego para esconder-se entre as touceiras de capim.
_ Pega aquele João, vai.
E a mula birrenta não arreda o pé da estradinha de terra.
_ Bexiguenta... droga de mula, ta me tirando da paciência.
_ Mãe, põe a mesa, to só recolhendo os bichinhos no galinheiro e já vou.
A tarde vai ficando por sua vez mais e mais densa tomando a alma e agente daquela brenha; ventos do norte assanham o varal, as roupas tripudiam desbotando quase gritando na agonia da tempestade.
Os primeiro pingos de frio tomam lá longe, a mula zurra, mas, emperrada não arreda as patas, deixando-o cada vez mais furioso.
_Mula danada, devia ter deixado na roça.
Revoada. O bater de asas quebra o silencio; a noite já rebenta a claridade mais rápida, e o vento é frio, é desolador. A quietude volta quando o som se fecha entre as ramagens de capim santo.
_Vai ser um aguaceiro, chuva braba.
Agora o céu estava tomado pela escuridão, o frio franzia os ossos, enleava a alma cabocla. Longe um leve fio de cor; o de uma poronga opõe-se aquela paisagem ameaçadora.
O estrondo da passarinhada vez por outra, não quebrava o tenso estado das coisas; os meninos em algazarra gritando ou em assovios pelo terreiro; levemente as folhas secas levantam em redemoinhos tomando de supetão; o chão de terra batida todos os dias varridos religiosamente não resiste a fúria vertiginosa do vento.
_ Vamos minha pretinha!
_ Iremos tomar esse pé de chuva pela cara, mas não vai ser nada, logo que resolver sair daqui chegaremos a alguma habitação.
As janelas se fecham com a algazarra dos moleques passando para o interior próximo ao lampião; naquele calor que diferente do terreiro esbraveja contra a tempestade que armou no sopé da serra. A rede estendida cobre a sala e aconchega a curumizada que desliza num sono, cansados de matar tempo atrás da bicharada.
_ Vamos minha bichinha, a ventania vem remoendo toda a estrada, trazendo um temporal daqueles. Arriba meu doce, minha cocada, minha rapadura de mel.
A mula desempaca e se põe a andar mansamente, tomando a estrada em direção ao horizonte.
A tempestade segue outro rumo; no céu uma constelação se põe a brilhar fortemente. A lua cintila e a poronga se apaga. A vida segue indiferente ao viajante que passa bem próximo ao casebre.