A Esquina

Em uma esquina qualquer da história ainda vivia um pobre espírito. Estirava-se sobre as pedras sujas do passeio, dividindo a cena com um velho poste de ferro, cuja lamparina havia muito não ganhava óleo e fogo. Assim, luz tampouco poderia brilhar. Anos antes, em noites quase esquecidas, muitos caminhavam por aquelas ruas. Havia cantoria, vozes em algazarra e festa. Havia serenatas, declarações de amor e também de ódio. Mas este foi outro tempo, do qual a forma jogada ao chão também participara. O futuro daquela época trouxe o abandono – a escuridão. Restaram ali apenas os tristes, os saudosos e os quase-mortos.

Não fosse o olhar atento de quem, após entrar na rua errada, aperta a visão quando a treva se adensa, a figura da esquina não seria sequer lembrada. Aquele que a encontrou só pôde ouvir as últimas palavras; os lamentos de uma vida atirada pelos cantos; congelada tantas vezes embaixo de varandas que saltam sobre o povo miúdo das cidades.

Em poucos segundos tudo desapareceu dentro da nota final da morte. A criatura extingui-se, e com ela levou seu mundo e suas lembranças. Sobreviveria por mais alguns dias apenas na memória deste que, por erro e acaso, assistira o termo da existência. Impressionou, por certo; causou espanto, nojo e medo; porém, o tempo e a indiferença trataram de apagar o que ainda ousava restar. Somente a glória de poucos desafiaria a extensão da eternidade. Aquilo que põe à prova o humano – que afirma ser isto mesmo – nunca existiu.