O absurdo do Perdão

A solidão e o vazio da cela escura contribuíam, mas a verdade é que Jaime há muito se sentia morto. Não tinha mais noção do tempo. A vida passava e aos poucos se confundia com a morte da alma. Já não se barbeava. Banho só de vez em quando. Sentia que as lembranças aos poucos se apagavam. Há muito não recebia visitas. Só ouvia o pulsar do coração. A solidão o castigava como um verdugo.

Passou as mãos no rosto. Respirou fundo o ar fétido. Olhou com atenção o que havia restado do Jaimão, que em outros tempos foi dono do movimento, vivia cercado de gente de todos os tipos e classes sociais. Em especial as belas mulheres. Comandava a comunidade e em muitas ocasiões foi a voz da morte para muitas vidas.

O "reinado" durou cerca de vinte anos, até que a falta de um "acerto" provocou sua prisão. Condenado há mais de cem anos, agora jazia em vida.

Naquele dia, lembrou-se de um nome que por muito tempo ignorara: Deus.

Será que existia? Existindo, será que olhava por ele? Certamente não! afinal como responder pelos muitos crimes. Pensou na morte. O que seria dele se a alma realmente fosse eterna? Sentiu o peso das escolhas. Pensou nas muitas mães que fez chorar. Nos olhares que imploravam por perdão diante de seu revolver.

Angustiou-se.

Olhou para algum lugar e chorou. Em meio as lágrimas balbuciou uma frase: "Me perdoe".

Pela primeira vez em anos, falava a verdade.

Ousou em olhar mais uma vez para a pequena abertura na parede, unica ligação com o mundo exterior.

Lembrou-se de alguém. Um bandido. Que também jazia num instrumento de tortura. Num breve momento, aquele homem olhou para um companheiro de sofrimento e viu Nele algo maior do que a compreensão humana. Teve em seus últimos momentos de vida a certeza do perdão numa frase: "Ainda hoje estarás comigo no Paraíso". Seria só uma história? Ou...

Optou em esperança.

Fez-se um silêncio.

Logo depois se ouviu o estrondo de um corpo, sem vida, que tombou ao chão.