O Pequeno Aprendiz
Começo, meio e fim... e repete... começo meio e fim...
Vamos começar pelo começo. Quando acordamos e descobrimos que estamos vivos, bem no início, lá descobrimos que não sabemos onde tudo começa. Mas pela lógica, se está tudo acontecendo, é porque começou.
Veja, se não abrirmos os olhos, não vemos. Se não vemos, não desejamos e se não há desejo, não há fim para algo que não começou.
Esta é uma metáfora explícita de nossas vidas. Todos nós vivemos. Tão naturalmente como respirar, existimos. E tão certo como pensar em comer é que um dia acordaremos para nós mesmos. E acordar para nós mesmos é o momento de perceber que tudo começou do meio e não sabemos de onde viemos.
Acordamos. É o início. E só de estar ali há então movimento. Descobrimos então o toque. Através do toque descobrimos a matéria. E a matéria nos ensina que tudo tem um limite. E também a partir do toque sentimos o carinho, a dor, o frio, o calor, a presença. São todas fontes de inícios.
Ao descobrirmos calor, descobrimos sua ausência. E a lembrança do calor trás a saudade. Então revemos nosso ente perdido e percebemos que ele está em algum lugar. E ao sair deste lugar, assim como a lembrança do calor, sentimos saudades. E percebemos que os lugares voltam. Basta que persigamos este lugar... e este é o início do qual pensaremos agora... uma saga de começos, meios e fins...
Acordei com um gosto ruim na boca. E uma saudades daquele toque saboroso de lábios que transforma esse deserto em paisagem. Entristeci-me. A ausência estava ali diante de mim. Era um vulto triste e frio que se apresentava. Tinha cabelos lisos e castanhos. O rosto perfeito. Nariz, olhos, boca. O corpo também perfeito. Pernas, cintura, peitos. A mente ideal. Inteligente, sagaz, irônica, romântica. Guardava gotas de prazer para dar-me após calafrios de decepção e tristeza.
E perfeita em todos os níveis, surgia diante de mim aquelas saudades. Algo que ainda não tive, persigo. Persisto. Quero.
Mas se isso era o início e aquele gosto da boca me trouxe essa delíciosa ausência, surge então o meio. A forma que procuro encontrar aquele beijo, aquela pessoa.
Na realidade toda que vivi, essa que começa sem começo que chamamos de vida, nela sombra daquilo sequer vi. Apenas vultos que nas épocas de sorte duraram alguns anos, mas que em geral não transpassava sequer semanas.
As tentativas de encontrar vão somando uma pilha de cadáveres. No início, quando não há nada, a vontade vem cavalgando. A emoção é incontrolável e verdadeira. Vem uma musa à cavalo. Ela me olha com desejo de longe. Eu retribuo. Ela diz: venha que te quero! E respondo: vou porque também te quero! E juntos copulamos por muitas vezes.
E esse é o fim. O encontro perfeito. Eterno.
Mas insistentemente, por alguma razão que ainda não compreendo, certo dia ela sobe em seu cavalo e pede à sua montaria que a leve. Leve como uma pequena pena que levanta do chão com o soprar das correntes do ar. Com suas razões tão visíveis nas folhas das árvores, porém impossíveis de serem pegas pelas mãos que inutilmente, cansativamente e repetitivamente as tem vazias ainda que com muita força aperte o pegar do vento vadio que voa livre.
E anos depois, aquela monte de penas, todas aquelas cenas perfeitas maculadas pela ação do tempo anunciam que o fim ainda não chegou. E perseguimos.
Receio que o tempo em que tudo começou lá no começo tenha em si a razão de todo esse meio o qual fomos todos colocados. E completado então seu desejo, seremos parte completa desse grande organismo.
Mas difícil é saber se ele anseia por encontrarmos nós o nosso fim para que então descanse, ou se o próprio fim em si nos levará incompletos.
Incompletos ou não, resta apenas o mistério. O erro em insistir em continuar. Em acreditar que o fim é o ser perfeito. E que não foram perfeitas aquelas noites de então. E busca eternamente em vão, num meio sem fim, a final razão, a última emoção.