O Ponto de Ônibus
-Você já atentou para os formatos, design dos pontos de ônibus? Amigo, tem para todos os gostos. Para os têm ou tiveram oportunidades de viajar pelas cidades brasileiras e/ou do mundo, com certeza viram ‘in-loco’ esses abrigos intrigantes. O interessante é que é um dos lugares mais democráticos da sociedade moderna. Mais democráticos até que as praias ou praças de alimentação dos shoppings. Senão vejamos:
-Praias?
(..)!!!
-Existem para todas as classes econômicas. Têm aquelas tão inacessíveis que somente os abastados têm direito a elas. Não acredita? Então visualize Fernando de Noronha.
-Meu caro! Se você não for a “Fenoronha” a trabalho, uma rápida visita de dois a três dias consome alguns salários mínimos de sua conta-corrente ou do limite do cartão.
-Então... Não se pode afirmar que praia é um lugar democrático, acessível a todos. Tem suas limitações. Concorda comigo?
-Praças de Alimentação?
(..)!!!
Camarada! Dependendo do shopping, você entra, come um pastelzinho, dá uma olhada, e só... Concorda?
-Hummm!
-Ponto de ônibus, não! No ponto de ônibus o cara chega... Espera... Espera... Senta, acena, o coletivo estaciona e ele embarca. É o suficiente... A partir desse momento ele deixa de ser diferente. Deixa de ser da classe “A”, “B”, “C” ou “D”. Meu camarada! O indivíduo deixa de ter classe social e passa a ser somente um passageiro. O preço da passagem é o mesmo para todo mundo, exceção de estudantes e anciãos, claro! Ele é um igual, cara! Está na dependência de uma vaga nos assentos ou num espacinho entre os que estão em pé. Ele vira mais uma sardinha na lata. Aqui no Brasil na hora do ‘rush’, então!
-Escuta aqui, ô Nicodemus!
-Nico! Você sabe que eu odeio que me chamem deste nome...
-Pode ser... Está certo, desculpe! Mas você há de concordar que o teu nome, aqui na universidade, é “Professor Nicodemus”.
-Professor Nico... Caramba, rapaz! Tem dia que você fica simplesmente insuportável.
-Insuportável está você, Professor N I C O D E M U S. (risadinha sacana) Tá bom... Tá bom... (outra risadinha mais sacana ainda) Desculpe! Entenda... Estamos aqui, sentados à mesa deste simpático bar... Num fim de tarde aproveitando um relaxante ‘happy hour’, bebericando este geladíssimo chope e você vem com papo de “passageiro de ônibus”, “classes sociais”, “praias, espaços democráticos” e outras coizitas mais... Tenha dó, né? Vamos falar de mulher, da morena e dinheiro, do batuque, do surdo... E até de pandeiro. E continuou parodiando Benito de Paula: “Mas não fale da vida, que você não sabe o que eu já passei...”
Instintivamente o amigo do Nicodemus batucou em uma caixa de fósforos.
-Deixa de ser sacana por um momento só e presta atenção, cara! Esse papo pesado é só uma introdução para o que eu realmente quero falar.
-(...)
-Você prestou atenção no design dos pontos de ônibus? Não só aqui em João Pessoa, mas em outras cidades do Nordeste, bem como do Sul, do Norte, do Centro Oeste, e até mesmo em alguns países na América do Sul?
-(???)
-Sério, cara!
-Pirou o cabeção de vez. Qual é a novidade agora? Tá bom... Tá bom... (outra risadinha bem sacana) Vou escutar... Fala. E levantando o braço, alteou a voz: “Garçon, mais dois chopes. Por favor!
-Putaqueospariu! Tá difícil tentar levar um papo sério contigo, hem?
-(!!!)
O garçom se aproximou, deixou duas novas canecas de chope sobre as bolachas de papelão com logotipo de uma conhecida marca de cervejaria, passou um pano sobre a mesa e se afastou.
-Um brinde às mulheres, ao samba e por que não dizer, ao chope e aos amigos que levam tudo a sério demais. O amigo bebericou na caneca para disfarçar mais risadinha muito da sua sacana.
-Continuando... Cara, você já se deu ao trabalho de digitar no ‘Google’ estas três palavras: ponto de ônibus?
-Claro que não... Meus interesses são outros, bem mais agradáveis. Calma... Calminha... Pelo menos no meu P O N T O de vista. Mas... Diga lá! O que é você achou no Google?
-Tem cada design... Tem cada ponto de ônibus! Tem uns que têm até poltrona, outros tem o formato de uma melancia, outros ainda têm até rampa de skate. Todos limpinhos, bem organizados. Em Curitiba! Curitiba tem os mais bem organizados e estruturados pontos de ônibus do Brasil. A cidade é referência mundial.
-Sim... E daí?
-E daí que o ponto de ônibus reflete o grau de evolução de uma cidade. Quanto melhor a estrutura dos pontos de ônibus, maior é o IDH da população. Entra do Google e pesquisa os pontos de ônibus da Europa. Dá uma olhada nas cidades da Alemanha, Itália, a Inglaterra...
-Nem vem que não tem... Aqui no Brasil também nós temos pontos de ônibus bem estruturados. Aqui em João Pessoa mesmo, os pontos até que são bem bonitinhos.
-Taí, cara! “Bonitinho...” Bonitinho é feio arrumado.
-(!)
-Pois Bem! Meu camarada...! Pra começar, dá uma olhada naquele ponto de ônibus ali na frente, perto da esquina.
-Tô vendo. E daí?
-Você percebeu que neste bairro onde estamos, as casas e os prédios de condomínios são de médio e alto padrão. Certo?
-Hãham!
-Então! Os pontos de ônibus têm bancos relativamente confortáveis, têm proteção contra as intempéries e são bem conservados. Não têm pichações e acompanham o padrão urbanístico do bairro, ou seja, está inserido no contexto.
-Sim! Tudo normal... Todos os pontos de ônibus da cidade seguem esse padrão.
-É aí que você se engana, meu caro! Já destes uma volta pela periferia? E quando eu digo periferia, eu quero dizer P.E.R.I.F.E.R.I.A, meeesmo!
-Não! Faz tempo que eu não dou umas voltas pelas quebradas. Mas quando eu andei pela P E R I F E R IA m.e.s.mo. como você diz não notei nada de mais.
-Tem certeza?
-Hummm... Não... Não sei... Não tenho certeza! Nunca pensei neste detalhe... Tudo para mim, sempre pareceu igual.
-Pois aí é que está! Meu camaradinha, o cotidiano mesmeriza o indivíduo... Ele se integra à paisagem e ela se mimetiza do subconsciente dele. Entendeu? Você deixa de ser o sujeito e passa a ser o predicado. Explicando melhor, você deixa de ser o tijolo para fazer parte da parede. Entendeu ou quer que eu desenhe?
-Quer saber? Não entendi ‘lhufas’, nem com o desenho.
-Está bem! Meu caro, a rotina impede que você perceba os detalhes. Tudo passa a ser um borrão só. A rotina faz você ver sem enxergar... Lembra da mensagem do filme Matrix? Pois é... É por aí!
-Tá bem... Tá bem...! E o que é que tudo isso tem a ver com os pontos de ônibus? Pelo que eu estou lembrado, este papo cabeça começou por aí... Ponto de ônibus!
-Pois é, cara! É tudo uma questão urbanística, social... Entende? Tem a ver com cidadania, meu caro!
-Espera aí, cara! Virou político agora, foi?
-Não é nada disso! É que um dia desse eu embarquei em um ônibus lá no centro da cidade e resolvi ir até o Terminal de Integração e de lá embarquei em outro com destino até o bairro mais afastado da cidade, quase na zona rural. E adivinha o que é que eu percebi durante todo o trajeto?
-(???)
-Percebi que os pontos de ônibus foram se deteriorando a medida que o poder aquisitivo da população foi se reduzindo. Amigo, do centro da cidade para os bairros residenciais mais abastados, os pontos são mais conservados, alguns até são livres de pichação. Esses pontos têm bancos, cobertura... Abrigo... Entende? Muitos ostentam até os horários e os trajetos. Porém, à medida que vai se aproximando da periferia, parte da cobertura vai faltando, os bancos vão ficando quebrados e a pichação impera. E lá no final, nos arrabaldes da cidade tem somente um poste com uma folha de flandres pendurada que alguém obsequioso escreveu: “ÔNDIBUS”.
-Garçom! Mais dois chopes e um petisco de filé palito. Atenção, meu velho, com bastante cebola, valeu? E aí Nico, o que nós temos a ver com isso.
-Nada!
-Como nada?
-É isso aí, meu camarada. Nada!
-Pirou o cabeção? Cara, a gente senta para tomar um chope enquanto as mulheres não chegam... Você começa um papo cabeça, meio transcendental, existencial até. Fala de cidadania, urbanismo e coisa tal... Pra nada?
-Isso mesmo... Nada!
-(?)
-Olha lá, as mulheres chegaram... Bruna, Carla... Aqui!
-(???)
-Meu camaradinha... A tua cara de idiota está impagável. Até que enfim consegui de deixar com cara de imbecil.
-O que foi que aconteceu com o Roberto? Nooossa! Que cara...!!!
-Sei não Bruna, está assim desde que chegamos. (uma puta de uma risadinha pra lá de sacana)
-(...)