Mimi e o Furazóio

Morávamos no Flamboyant, numa região conhecida popularmente como Furazóio. Não, não é Fura Olho. É Furazóio mesmo!

Tínhamos acabado de chegar à Campinas, vindos de São José do Rio Preto. Deixamos em Rio Preto uma casa grande e confortável para ser vendida e fomos morar num cortiço de Campinas, no popular Furazóio.

O ano era 1.970.

O que mais havia nesse cortiço eram crianças. De todos os tamanhos e idades. O lado bom era que eu teria sempre alguém com quem brincar.

O problema é que eu, acostumada a ser o centro das atenções por ser a filha caçula, entre tantas outras crianças, seria apenas mais uma e não teria nenhum privilégio. Foi lá, no Furazóio que aprendi, que não sou melhor e nem pior que ninguém.

Esse cortiço fazia fundos para a Escola Americana e ocupava quase todo o quarteirão. Na época, não tínhamos televisão em casa e após o jantar, íamos todos para o fundo, sentávamos na escada e assistíamos o jogo de futebol dos alunos. As vezes a bola caia em nosso quintal e eu ia correndo devolver. Me sentia a gandula do time...

Os dias passavam rápido nesse cortiço.

Foi lá que ganhei meu primeiro bichinho de estimação. Um filhote de angorá, fêmea, a quem dei o nome de Mimi. Mimi era uma bela bolinha de pelos. Branca e preta.

Mimi cresceu rápido e era uma companheira calma e amorosa. Como todos os gatos, adorava peixes.

No cortiço morava o Chicão, um homem metido a valente e que era dado a pescar nos finais de semana. Quando Chicão voltava de suas pescarias, cumpria sempre o mesmo ritual: limpava os peixes, salgava e os pendurava para secar.

Um dia, a Mimi roubou um peixe do Chicão. Esse homem fez um escândalo gigantesco, com uma peixeira na mão, dizendo que mataria o gato e o dono também. Custou muito tempo, lábia e alguns cruzeiros para abrandar a fúria do Chicão. Mas meu pai, usando de sua diplomacia e coragem, conseguiu e se transformou no herói do dia.

O tempo foi passando e tudo voltou ao normal.

Até que um dia, ganhei uma bota linda. Fiquei tão feliz que coloquei a bota e fui mostrar para minhas amigas.

A unica amiga que encontrei foi a Célia, que era filha do Chicão. Mas, infelizmente houve um problema: Célia achou minha bota feia...

Fiquei tão brava com ela que a prensei contra a parede, colocando meu pé em sua barriga. Só a soltei quando ela disse que achava a minha bota linda.

Célia foi embora chorando e contou a história a seu pai; que chegou na minha casa ameaçando todo mundo. Foi um Deus nos acuda! Depois que meus pais resolveram a situação, quase levei uns cascudos.

Como a fama do Chicão era de meter medo, minha mãe pediu para meu pai procurar outra casa para nós, porque ali ela não queria mais morar.

Pena que antes de encontrar uma outra casa, minha gata foi morta por um golpe de faca que abriu sua barriga. Seu corpo sem vida foi lançado no fundo do nosso pequeno quintal.

Fiquei doente.

O amor que sentia pela Mimi, minha companheirinha de infância, renasce a cada vez que um outro felino atravessa meu caminho...