O telhado e o céu

Lá do alto ele viu sua vida passar feito um filme em que as nuvens eram a tela.

Se viu menino, sempre cercado de atenções e carinho. Respondia a todos com o mais meigo dos sorrisos. O brilho do olhar lembrava o lume das estrelas. Tinha cara de anjo.

Tivera uma infância perfeita.

Era sempre citado como um exemplo a ser seguido. Um bom garoto! Cumpria seus deveres sem pestanejar ou demonstrar má vontade. Nunca chorava por motivo algum, não reclamava de ninguém, nunca se envolvia em brigas e estava sempre pronto para ajudar a quem dele precisasse.

Seus vizinhos diziam a sua mãe que nem parecia que em sua casa havia uma criança. E ela se enchia de orgulho, afinal o seu filho era tão perfeito, que mais parecia um anjo...

Na escola era um aluno exemplar. Sempre prestava atenção em tudo. Não atrapalhava a aula e tirava as melhores notas.

E como foi lindo na adolescência!

A atenção das meninas do colégio era sempre voltadas para ele, que era o príncipe dos sonhos de cada uma delas. Infelizmente nunca conseguiram dele nada além de um sorriso. O mais belo e doce dos sorrisos, a bem da verdade.

Na faculdade sentiu pela primeira vez o gosto da liberdade. E não se perdeu com ela! Foi ali que realizou um velho desejo que povoava seus sonhos... Enquanto seus amigos saiam à caça de diversão e aventuras com garotas, ele aproveitava os poucos momentos de solidão na república para fazer a coisa mais tola que alguém, em sã consciência, ousaria fazer... Subia no telhado e ficava lá, horas a fio, deitado... Observava as nuvens noturnas, as estrelas e a lua. Quase conversava com a lua...

As garotas faziam tudo para conseguir dele algo alem de um sorriso... E ele a namorar a lua!

Não sentia desejos por nenhuma das garotas que conhecia. Nem vontade de trocar beijos e carícias com elas...

Durante o período em que viveu ali, teve o comportamento mais exemplar que de um monge budista. Não tomou nenhum porre com os amigos, não provou nenhum tipo de droga e nem fez amor encostado numa árvore de alguma esquina escura.

Alguns de seus amigos faziam piadas sobre o seu costume de subir no telhado. Outros diziam que ele era gay... Mas ele não ligava para a opinião de ninguém e ainda achava graça. Continuava a subir no telhado. E lá permanecia, quieto, observando e sentindo o gosto da sua liberdade...

Depois que concluiu com louvor o curso de Economia, por vontade de seus pais , voltou para casa. Logo em seguida, arranjou um bom emprego, num desses grandes bancos.

Morava numa casa monótona, tinha um emprego monótono e vivia uma vida monótona; sem ter mais tempo para observar o céu...

Numa manhã comum de segunda-feira, conheceu a mulher que viria a ser sua... Viu nos olhos dela um vazio de infinito. E encantou-se pelos seus olhos silenciosos!

Era uma mulher solitária. Não tinha motivos para ser feliz e nem sabia o que era esperança...

Namorou, casou e teve um filho com ela. Um filho que ela sentia ser a razão de sua vida e que a cada dia só lhe dava motivos para ser, cada vez mais, feliz. Agora ela era a mais encantadora e linda das mulheres. E acreditava novamente na vida.

Mas ele nunca a amou de verdade.

O casamento era morno; o sexo, frio e a vida, sem graça. Ele a olhava e já não mais via o vazio em seus olhos... E sentia, a cada dia, que ela não precisava mais dele...

Pouco tempo depois, num início de tarde, durante um assalto ao banco onde ainda trabalhava, teve a visão que o despertou para a sua verdade...

Uma mulher, vestida de nuvem, com o lume das estrelas no olhar e cheiro de chuva fina que cai em fim de tarde, passou por ele e sorriu. Sorriso de anjo!

Seu coração a reconheceu! Era ela quem ele esperava, quando observava o céu do telhado... Ele não viu mais nada a sua volta. Apenas ela, que olhou para ele e o chamou com um gesto do indicador, virou-se e saiu. E ele, desesperado, foi atrás...

Seguiu sua musa e a viu entrar num edifício... Entrou também!

Instintivamente foi para o terraço.

E lá estava ela. A mulher vestida de nuvem...

Lá do alto ele viu sua vida passar feito um filme em que as nuvens eram a tela.

E lá do alto ele viu que era chegada a hora de voltar para casa...

Segurando a mão da sua musa, saltou. E na hora da queda, ganharam asas!

E enquanto voavam, ainda no banco, algumas pessoas tentavam reanimar dois corpos caídos, já sem vida, que foram atingidos por tiros, durante o assalto.