Na casa de Dito
Morar num conjunto habitacional tem suas vantagens é verdade, apesar de geralmente situado em local longe de tudo, possui infraestrutura própria com escola, mercado, quadra de futebol, etc. e com o tempo os moradores vão construindo e incorporando ao conjunto outras necessidades básicas, como banca de jogo do bicho, padaria, açougue e várias barracas de bebidas.
Os moradores ficam conhecendo uns aos outros como numa cidadezinha do interior, todos sabem quem é o morador caloteiro, o valentão, o mentiroso, a assanhada, a alcoviteira, etc.
Apesar disso tem aqueles moradores discretos que não chamam a atenção e mal são identificados pelos vizinhos, como era o caso de Dito, pacato cidadão, vivia de casa para o trabalho e vice-versa, morador do Bloco Z-381 da Quadra 2.978-A, seria mais um morador daquele conjunto-cidade se não fosse pela sua inusitada família. Dito era casado com Dona Artemia, uma cinquentona espevitada de ancas largas, seios fartos e buço destacado, mais conhecida como Mimi cabeleireira, pois ajudava nas despesas atuando no pequeno salão na sua própria casa, sua outra atividade mais rotineira era a de trair seu marido com qualquer um que lhe caísse nas mãos, todos sabiam e como sempre somente o marido ignorava os enfeites de sua cabeça.
Para completar, Dito tinha dois filhos, uma garota de 20 anos bem muscolosa, cabelo curto, acostumada a bater nos rapazes e assediar as garotas, que atendia pelo apelido de Ritona ‘’tranca-rua’’ e era zagueiro do time de futebol do conjunto. O rapaz, o Alfredinho nos seus 19 anos era muito sensível, sempre vestido com lantejoulas e lenço de seda no pescoço ajudava a mãe no salão, tinha fama de bom cabeleireiro, e admiração por soldados de polícia. Havia ainda a empregada da casa, a Raimunda, uma mulata bem gostosa que tinha sido criada na casa da mãe de Dito e agora trabalhava com ele. A Raimunda, feia de cara..., era quem mais sofria na confusão daquela família, pois quase nunca recebia salário e vivia assediando o Alfredinho que fugia dela e fugindo da Ritona que assediava ela.
A casa de Dito era uma confusão total, sem ordem, sem comando, sem dinheiro, o Dito era mesmo um zero a esquerda, fazia mais de dez anos que Dona Mimi, os filhos e até a empregada o ignoravam completamente.
Quando faltava alguma coisa em casa Dona Mimi mandava a Raimunda comprar, sem dinheiro, dizendo:
- Vai lá minha nega... usa o que Deus lhe deu que mulher consegue tudo, quanto mais com essa bunda que você tem.
A Raimunda tinha então que negociar seus atributos físicos com o açougueiro, o padeiro, o dono do mercadinho, etc.
Então a casa de Dito ficou conhecida no conjunto pela bagunça e pouca vergonha que ali reinava, havia um grande muro pintado de branco na entrada do conjunto que servia para pichações, numa segunda feira ao chegar do trabalho Dito viu escrito no muro em letras garrafais:
- NA CASA DE DITO TODO MUNDO TREPA !
Dito estremeceu..., ficou colérico, em quinze anos morando ali nunca teve tal reação, fingia não saber do corno que sua mulher lhe dava, fazia questão de não ouvir as gozações sobre seus filhos, e não queria nem saber como a empregada conseguia as coisas para a casa, mas... todo homem tem seu limite, e o seu tinha chegado, tinha que reagir, agir como homem, fazer alguma coisa bem séria.
Dito foi correndo para casa, esperou anoitecer, pegou alguns materiais e partiu em sigilo para a entrada do conjunto, realizar sua vingança!
Na manhã seguinte, todos os moradores ao passar pelo muro liam:
- NA CASA DE DITO TODO MUNDO TREPA!... (MENOS DITO)