Gargalhada - Série Eu me lembro muito bem...
Eu me lembro muito bem de uma gargalhada. Minha tia Santinha gargalhava como se o pecado não existisse, como se o inferno não fossem os outros, como se a vida não tivesse um fim.
Tia Santinha era assim: feliz sem ter uma explicação plausível. Era simplesmente feliz, e ponto.
Tia Santinha era feliz num dia de sol; era feliz num dia nublosamente cinza; era feliz também nos dias chuvosos. Não eram poucos os que invejavam sua gargalhada, sua alegria, sua maneira de ser, o que ela era.
Eu me lembro muito bem de como era bom ficar com tia Santinha quando os dias estavam nebulosos ou chovia. Com qualquer outra pessoa eu não gostava de ficar nesses momentos, mas com minha tia passava a ser um dia santo. Era um dia de descobertas. Muitas descobertas. Muitas.
Tia Santinha era assim, transformadora. Arrebatadora. Era capaz de me fazer olhar de forma nova para um mesmo objeto, para uma mesma flor, para uma mesma folha de papel, desbravando um novo mundo, um novo olhar do meu olhar.
Tia Santinha era tecida de poesia. Não essa encontrada nos livros feitos por poetas. Tia Santinha era tecida pela poesia da vida. Essa poesia, imensurável, não dá para ver, não dá para falar, muito menos cheirar. É uma poesia que se sente, cujo aroma nos envolve sem sequer nos darmos conta de que estamos sentindo e sendo envolvidos.
Tia Santinha era assim e sua gargalhada permanece em mim com um frescor irreprimível.