Ponto de vista
Era um dia cinza. Gotas serpenteavam pelo vidro do carro lavando as mensagens empoeiradas que as crianças deixaram mais cedo. Fascinado pelo clima ameno, quase frio, que muito o lembrava Londres, Henrique dava uma volta pela parte nobre da cidade onde se concentrava seu mundo.
Com o pé fundo no acelerador distanciava-se de casa em direção a de sua namorada mal percebendo que deixava pelo caminho rastros de transeuntes mais ensopados do que gostariam estar. A única preocupação era comer o brigadeiro que sua 12ª namorada havia prometido e mostrar-lhe os tênis que trouxera da última viagem à França.
Como adorava aquela chuva.
Era uma dia cinza. Gotas serpenteavam pelo vidro do carro lavando as mensagens empoieradas que as crianças deixaram mais cedo. Zé não notou. Os fios de chuva misturavam-se ao sal de suas lágrimas enquanto ele se segurava no topo daquele automóvel na periferia da cidade.
Zé fora arrancado da cama ainda de madrugada com os gritos desesperados dos filhos. A parede de seu casebre cedera e ali mesmo perdera parte de seu coração. O caçula se foi. Não pôde fazer muito, se pôs logo a nadar para salvar a mais velha, mas não adiantou.
Mais tarde, esperando o resgate, só conseguia pensar na ruína do que construíra para dar o mínimo conforto aos filhos e no trabalho que provavelmente já havia perdido. Não precisaria mais de nada daquilo. Não tinha mais filhos, só lhe restava a vida. A vida e a chuva.
Como detestava aquela chuva.
W.A.M.