O SONHO DE JOÃOZINHO

“ Alud vas in honorem alud in contumelian.” ( Um vaso para honra, ourtro para a desonra).

Joãozinho é um menino de dez anos de idade. Não tem um único par de sapatos decentes para usar. O único calçado que ele conheceu até agora é um velho par de tênis que achou num monturo de lixo perto do barraco onde mora com sua mãe viúva e mais cinco irmãos, três deles mais novos do que ele.
Os tênis de Joãozinho estão tão velhinhos, tão surrados, que ele tem que colocar um pedaço de plástico por dentro para não ficar pisando direto no chão.
O sonho do menino é comprar um par de tênis novos. Por isso, todo dia ele vai ao centro da cidade e fica olhando, do lado de fora, a vitrina de uma loja de calçados. Nunca entra na loja, só fica olhando as vitrinas do lado de fora.

Um dia, Joãozinho ganhou uns troquinhos trabalhando como flanelinha numa das esquinas da cidade. Tomou chuva e sol, levou uma pá de broncas e meia dúzia de pontapés na bunda por ficar passando aquela flanela suja nos vidros dos carros, sem que lhe fosse pedido.
Mas há muita gente boa e tolerante nesse mundo e houve até quem pagasse por esse trabalho. Por isso, lá está o Joãozinho, agora, com várias moedas e algumas notas de um real no bolso, olhando de novo para a vitrine da loja. Só que desta vez ele tem coragem para entrar. E todo orgulhoso, pergunta o preço de um belo par de tênis que está na vitrina, parece, olhando para ele e dizendo: “ Me leva, menino, eu quero ser todo seu."
O dono da loja é um “turcão” nervoso que vem logo perguntando o que ele está fazendo ali.
– Quanto custa esse tênis? – pergunta Joãozinho.
– Quanto dinheiro você tem? – pergunta o “turco” bigodudo.
Joãozinho mostra a sua fortuna, uma mão cheia de moedas e algumas notas de um real.
– Isso não paga nem o cadarço – diz, com sarcasmo, o “turco”.
Em seguida, com o maior desprezo, empurra o menino para fora da loja, dizendo que ele está atrapalhando a entrada dos fregueses.
Joãozinho sai jurando a si mesmo que um dia ficará rico o suficiente para comprar a loja inteira. Coisas de menino, mas de qualquer modo, a partir daquele dia, começa a guardar toda e qualquer moedinha que ganha no seu trabalho de flanelinha para fins de um dia poder cumprir aquela promessa.

Para encurtar a história vamos dizer que Joãozinho nunca comprou a loja, até porque os interesses dele o fizeram aportar em outras ilhas mais interessantes. Ele cresceu, ficou adulto, estudou, trabalhou, ganhou dinheiro. Montou uma sólida e florescente empresa, virou gente importante.
Esqueceu o “turco” nervoso. Como empresário de sucesso ele pode agora dar para os seus filhos todos os Nikes e Reeboks que o dinheiro pode comprar. O “turco”, a propósito, não fez carreira longa no comércio da cidade. Faliu algum tempo depois daquele incidente com o flanelinha, deixando uma enorme dívida na praça. Fim.
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Quem não gostou do final desta estória pode dar um desfecho diferente para esse conto. Pode dizer, por exemplo, que o Joãozinho nunca conseguiu esquecer a humilhação que sofreu e tão logo conseguiu juntar dinheiro suficiente, comprou um ”trêsoitão” e tentou assaltar a loja. O “turco” nervoso reagiu e levou um balaço na espinha. Morreu ou ficou paraplégico, sei lá, podem escolher o desfecho que acharem mais consentâneo com ele. Talvez esse fosse um final mais apropriado para os dias de hoje, em que a maioria dos meninos dessa idade não se chama mais Joãozinho e não se contentam em serem apenas “flanelinhas”. Eu prefiro as palavras do apóstolo Paulo: há vasos feitos para a honra e outros feitos para a desonra. E que Deus nos ajude a fazer as escolhas certas.

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/01/2011
Reeditado em 20/01/2011
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