Meu mundo quadrado
“A esperança é a última que morre”, essa é a frase que a minha mãe não cansa de repetir, às vezes, acho que ela está falando de uma tia avó minha chamada Esperança, essa já enterrou parte da família e não mostra nem um pouco de vontade de ir para o céu.
Por falar em minha mãe, não sei nem o que dizer dela, só admiro tudo o que ela faz, pois nem o meu pai, que se dizia tão forte aguentou a barra e já se mandou para o céu, me deixando no mundo sozinho com a minha mãe.
O meu nome, prefiro não falar, ninguém me chama por ele mesmo, as pessoas só me conhecem como o garoto da cadeira de rodas, mas estou acostumado, pois escuto as conversas das pessoas que passam na rua e nenhuma delas citam nome de ninguém, é o homem da padaria, a filha do dono do supermercado, o neto do dono do bar, então não teria sentido algum me chamarem pelo o nome.
Toda manhã quando vou para a janela da minha casa, vejo todos os meus vizinhos saírem para trabalhar, ah! como eu queria ser grande para trabalhar, ter algo mais interessante para fazer, já estou enjoado dos meus brinquedos, acho que 13 anos é uma idade um pouco avançada para viver de fantasias, queria ter responsabilidades, gostaria muito que minha mãe me enxergasse como um jovem e que me desse metade das responsabilidades dela, minhas férias são muito chatas, prefiro as aulas, sair na rua, ver meus professores, conversar com eles, comer um pastel na cantina, na hora do recreio, me sentir livre, coisa que não sou nas férias, ao contrário, de muitos colegas meus que preferem as férias, nelas eles se sentem livres, jogam bola o dia inteiro, vão para o clube, para a praia, realmente se divertem, se eu dissesse que não tenho inveja estaria mentindo, mas segundo minha mãe eu sou mais inteligente do que eles, na verdade, eu queria ser menos inteligente e poder jogar bola.
O dia inteiro eu fico naquela janela do 1º andar da minha casa, minha mãe teve a brilhante idéia de adaptar uma rampa para mim, ela percebeu a minha curiosidade pela a rua e decidiu me promover a um cargo um pouco anônimo, o vigia da nossa rua, eu vejo cada coisa esquisita daquela janela, semana passada, a minha vizinha de frente pulou o muro e fugiu com o namorado, no dia seguinte, logo cedo a policia já estava à procura dela, pois estava como desaparecida, com papel pregado nos postes e tudo mais, essa ficou famosa. Outra coisa curiosa que percebo e não é de ontem, mas já faz algum tempo é uma outra vizinha minha, toda vez que o marido dela sai para trabalhar, o entregador de jornal entra na casa dele, o que eu não entendo é que na minha casa ele lança o jornal com tanta força que só falta derrubar a porta e na casa da vizinha ele vai deixar lá dentro, acho que o marido dela paga uma taxa extra por essa mordomia.
No inicio dessa semana, acordei-me com uma preguiça, mas fui quase me arrastando para a minha querida janelinha, era dia de passar o carro de lixo, como eu fico impressionado com a velocidade daquele pessoal, eles recolhem todo o lixo em menos de 3 minutos, isso sim eu chamo de recorde mundial, mas acho que o motorista do caminhão não gosta muito deles, pois não para o caminhão e vai embora antes de todos subirem, de vez em quando eu vejo um desesperado correndo atrás do caminhão sem conseguir subir. Mas, o que me deixou intrigado foi que um deles deixou cair uma sacola de lixo na calçada de um terreno baldio que tem na esquina da minha rua, não pensei que esse descuido custaria tão caro, não para os lixeiros, mas para a população do meu bairro, pois foi a partir desse dia que descobri o mundo, que para mim até então era desconhecido, o mundo dos aproveitadores, muitas pessoas o chamam de oportunistas, eu os chamo de Maria vai com as outras.
Em uma de minhas pesquisas na Internet, acabei desvendando o motivo de muitas pessoas seguirem caminhos determinados por outras. Como exemplo muito próximo tenho uma vizinha chamada Maria, essa não sabe o que quer, ela sabe o que os outros querem, deixa ser levada por moda, opinião das fofoqueiras do bairro, entre outras coisas, daí eu tirei a frase, Maria vai com as outras.
No meu bairro como em outros lugares do mundo, existem pessoas desse tipo, invejosas e aproveitadoras.
No dia seguinte em que a sacola caiu na calçada do terreno baldio, como de costume fui para a janela da minha casa, quando avistei mais uma sacola junto à outra de ontem, na calçada do terreno, achei estranho, pois não era o dia do lixeiro passar, fiquei com aquilo na cabeça o dia inteiro. No dia seguinte, acordei mais cedo do que o costume e presenciei uma cena um pouco que revoltante, o vizinho da rua de trás, ainda de pijama jogando uma terceira sacola, junto às outras, como eu queria um estilingue em minhas mãos numa hora dessas, mas tomei uma atitude mais inteligente, peguei uma caixa de papelão rasguei em forma de um quadrado, formando uma placa e nela escrevi “não jogue lixo”, coloquei um cabo de vassoura para fixar no chão, fui lá com toda a minha autoridade de cidadão e enfiei na calçada que era de areia, ali sim me senti gente, com cara de poucos amigos voltei para casa, já que tinha ido até lá escondido de minha mãe, enquanto ela estava no trabalho.
Ao raiar o outro dia, fui ver como a minha obra de arte ficava no ângulo de lá de cima de minha casa, e ainda com o sol resplandecendo na placa, quanto orgulho de mim, enquanto eu subia a rampa, em minha cabeça vinha o alívio do dever cumprido. Mas quando olhei pela janela, só me lembrei do que minha mãe havia dito um dia enquanto conversava com uma tia minha por telefone, “Josefa, a humanidade é podre”, sem dúvidas ela estava falando disso, foi arrancado da minha placa a palavra “não”, ficando assim, “jogue lixo”, com uma ordem dessas, não era de se estranhar eu ter visto mais de dez sacolas já amontoadas. Com o passar dos dias eu observava que vinham pessoas que eu nunca tinha visto, suponho que a notícia de um lixão na minha rua já tenha se espalhado e chegado nos bairros vizinhos, já tinha até uma cama velha e uma Tv, isso é que eu chamo de união, todos unidos para destruir minha rua, o fedor já estava invadindo minha casa, ninguém mais jogava chiclete no chão, de forma alguma esperavam chegar na frete do terreno baldio e lançavam, já estava me dando impaciência de ver centenas de pessoas passarem por lá e jogarem os seus lixos. Sinto-me até um pouco culpado, perguntando-me se será que com a placa eu piorei a situação? Acho que sim.
Tomando essa responsabilidade para mim não quis nem contar para minha mãe o que estava acontecendo, mesmo sabendo que ela não iria nem ligar para isso, pois ela não tem tempo, trabalha o dia todo e também já estava jogando o lixo da gente lá.
Como eu gosto de observar muito as pessoas, percebi que toda vez que uma pessoa ia jogar o lixo no terreno, olhava para os dois lados para ver se não estava sendo observada por ninguém e em seguida quando percebia que não havia ninguém por perto lançava o lixo. Então resolvi fazer mais uma placa, dessa vez não fixaria num cabo de vassoura, mas eu mesmo ficaria o dia inteiro na calçada do terreno segurando minha placa, intimidando as pessoas.
Fiz a placa e fui cedo para a calçada do terreno, logo depois de minha mãe ter ido trabalhar. O sol quente não me intimidava, principalmente quando eu via a cara das pessoas que liam minha placa, muitas delas já prestes a jogarem o lixo, quando liam a placa desistiam, eu percebi que mexi realmente onde mais dói nas pessoas, no bolso. A minha mensagem dizia “Lixeiro particular, pague dez reais por sacola de lixo jogada”. No final do dia eu estava num bronze, quando avistei uma carroça, parei o carroceiro e perguntei se ele levava para outro lugar aquele lixo por cinco reais, ele aceitou, levou todo o lixo e deixou o terreno todo limpinho. Que alivio, me livrei da dengue, do fedor e de outras doenças e de quebra ainda peguei um bronze. Voltei para casa antes de minha mãe voltar, o que eu temia aconteceu, minha mãe percebeu que eu estava todo queimado e perguntou, onde eu havia pegado todo aquele bronze, eu disse que tinha sido no quintal de casa, ela quase me dando uma bronca disse que seria melhor se eu fosse à praia e com uma cara bem sínica respondi que preferia ficar em lugares mais limpos, a praia está muito poluída ultimamente.
Igor Cruz