PAU DE ARARA
PAU DE ARARA
A romaria para Juazeiro do Norte homenageava padrinho Padre Cícero. O pau-de-arara já se encontrava lotado a não caber nem pensamento, mesmo assim partiu pegando gente por onde passava, um pouco aqui outro acolá.
As dormidas improvisadas à beira do caminho os extasiados adormeciam como as pedras. Eram redes e esteiras espalhadas às margens da estrada. Os Idosos se ajeitam de qualquer maneira, acostumados ao improviso. E ali, cada um no seu cantinho caia rapidamente no sono.
Mães zelosas como dona Zulmira esposa de Zé Preto e mãe de Carla moravam em Manga de Baixo; Conceição esposa de Cornélio e mãe de Mara moravam no Jatinã. Além das duas mocinhas,levavam também crianças de colo, era um evento de perseverança e de fé.
As mocinhas na puberdade em buscar de sua liberdade reuniam-se e se ajeitavam num lugarzinho só delas. Afastadas de suas mães ficavam a sonhar até altas horas. Outras senhoras também se encontravam ali. Adelina esposa de Evangelista e mãe de Jorge moravam no Saco(Lugarejo próximo à Belem de São Francisco-PE; Marciana esposa Ludugério e mãe de Zelito moravam no Riacho Pequeno; ambos já acostumados à outras romarias, estavam super alegres.
A coruja rasgava o manto da escuridão os romeiros declinaram-se no mais profundo sono. Só os jovens teimavam em se manter acordados conversando quase sussurrando.
Estavam ansiosos, inquietos e cuidavam os locais onde as moças se instalaram. Era um cantinho discreto longe das vistas das mães. Quando o silêncio imperou e o véu da noite cobriu a caatinga, trataram de liberar em ação, uma trama que povoava suas mentes. Fizeram aposta entre si. Quem conseguisse transar com uma das mocinhas devia dar um nozinho na barra de sua saia ou prender qualquer coisa que fosse possível identificá-la ao amanhecer. Saíram furtivamente em meio à escuridão. No maior silêncio foram até onde as meninas se encontravam e cada um abraçou sua querida em silêncio. Sem balbuciar qualquer palavra, se acariciaram e se amaram. Passaram boa parte da noite juntos. Corpos ardentes, entrelaçados, se amaram efusivamente.
Depois com o mesmo cuidado retornaram para outro lado da estrada aonde estavam suas redes e cairam também em prfundo sono.
Foram os primeiros a acordar e se dirigiram à pipa pendurada sob a carroceria do fedegoso, disposta ali, para fazerem a higiene matinal. Cochichavam ao pé do ouvido, baixinho. As mocinhas apareceram sempre duas a duas, como lhe fora recomendado. Caras deslavadas, tranças no ar, corpos arfantes exibindo vigor juvenil.
De repente o Jorge:
— Olha lá, olha lá, olha lá! A gostosura passou por mim essa noite. Será que ficou satisfeita? Bem, com aquele semblante tão alegre, é claro que sim!
Passam mais moças, uma a uma, e nada da do Zelito aparecer, ele está impaciente.
— Cadê a tua Zelito, cadê a Carla! Será que tu deste para trás, ou não fez nada! O certo, é que todas as moças já passaram. Devia ter aparecido a tua, mas qual nada.
— Que é isso rapaz, lá sou homem de refugar. Pode ser que ela tenha se apercebido do nó que lhe dei na saia, e tenha desamarrado. Mesmo assim ainda falta a Carla!
Ainda conversavam quando se aproximar da pipa, alegres e satisfeitas, surgem Marciana a mãe de Zelito, seguida da sua pretendida a jovem Carla filha, filha de Zulmira .
O Jorge com o semblante sério se dirige ao amigo dizendo:
— Amigo, a moça que escolheste não tem nenhum nó na saia.
Enquanto o amigo ainda falava, Zelito cabisbaixo proferia com horror:
— Que desgraça homem, que desgraça! O que foi que eu fiz com minha própria mãe!
O desespero foi muito grande e tomou conta do jovem. Muitos pensaram que tivesse enlouquecido. Que escândalo. O boato correu como folhas levadas pelos ventos de setembro. A mãe coitada não cunseguio entender. As rezas começaram antecipadas para aqueles romeiros, que rezavam em dobro para espantar do demônio.
O clima ficou um tanto tenso porque Zé Preto, queria dar um fim no Jorge filho de Adelina, por ter na calada da noite se aproveitado de sua filha Mara; e Ludugério por outro lado, não sabia o que fazer e junto com os demais,rezava e cantava o ofício, atribuindo todo o ocorrido ao tentador que perseguia os romeiros.
O pau-de-arara caiu novamente na estrada esburacada, um tombo aqui, outro ali. Aos solavancos. O silêncio de poucos instantes era logo interrompido por outra ladainha, o clima sombrio, ninguém olhava nos olhos. Tenso e choramingando Zelito, em uma curva da estrada caiu da carroceria naquele chão pedregoso quebrando seu pescoço. Houve então muito choro. Uma breve parada para sepultar o romeiro à beira da estrada e continua a jornada.
O pau-de-arara sumiu na poeira da estrada velha de terra, pipocando a descarga, deixando para trás o corpo sem vida do jovem. Uma cruz de pau angico foi erguida no local sobre um amontoado de pedras.
No ano seguinte outros casais de romeiros fazem o mesmo percurso para Juazeiro. Param naquela mesma curva da estrada descem todosdo fedegoso, relembram da história daquele jovem que na calada da noite trocara sem intenção a filha de Zulmira, por sua mãe Marciana. Um por vez colocam uma pedra as pés daquela cruz de angico. Jorge e esposa Mara, levam sua filinha Débora, recém nascida, que futuramente seguirá o mesmo caminho no pau-de-arara.