PERDEU SÓ A PERNA...

Numa cidade do interior do Estado de São Paulo, aquele adolescente, com seus 16 para 17 anos de idade, começou a interessar-se vivamente pela música. Era um jovem pobre, porém mesmo assim, freqüentando locais onde as bandas ensaiavam, aprendeu a tocar bateria e a cantar.

Iniciou-se, assim, uma trajetória diferente na vida daquele rapazinho que, apesar de não ter pai, mantinha um comportamento normal para alguém da sua idade. Durante o dia trabalhava como balconista numa loja de calçados e, à noite, dedicava-se até certas horas ao exercício da atividade musical.

Permaneceu naquela cidade até aos 20 anos de idade, quando se transferiu para São Paulo, onde passou a desempenhar exclusivamente a profissão de músico em casas noturnas daquele Capital.

Naqueles ambientes, desde logo, começou a ver o alto consumo de drogas, as mais variadas. Tinha como colegas vários músicos jovens e, alguns deles eram habituados ao consumo de entorpecentes.

Certa ocasião, estava fortemente gripado, quase sem disposição para tocar, quando foi tentado por um dos amigos para ingerir um estimulante:

- Olha - disse o amigo -, é simples, você toma meio comprimido e verá que pode tocar sem cansaço com disposição e alegria. Basta tomar só meio comprimido...

Ele relutou, relutou, mas acabou tomando. O medicamento era uma droga muito forte, usada no tratamento da doença de Parkinson muito conhecida no meio dos usuários de psicotrópicos.

No início da noite, tudo bem. Durante o trabalho musical, a mesma coisa, não sentiu cansaço algum; todavia, quando encerrou sua atuação, já no fim da noite, saiu da boate rumo à sua casa e, na rua começou o drama...

Teve uma série de alucinações visuais, provenientes da reação do medicamento e, principiou a ficar assustado. Afinal, jamais tinha ingerido qualquer tipo de droga e nem mesmo dado à bebida alcoólica.

As cenas eram grotescas. Os transeuntes se afiguravam monstros horripilantes. Tudo tinha imagem distorcida...

Sentia uma secura na boca, uma sede insaciável que se apoderou dele. Contudo, não sentia o menor cansaço nem a mais leve disposição para deitar ou dormir. Tinha, sim, muito desejo de andar sem parada.

Foi para casa. Lá chegando, dirigiu-se à geladeira e bebeu todo o leite que encontrou; depois, foi ao banheiro, tomou demorado banho frio. Após, vestiu-se, sentou-se e ficou a pensar na sensação horrível que tinha.

Saiu para a sacada, pois residia num sobrado, no Bairro do Braz, e teve uma visão assustadora: parecia que os edifícios estavam derruindo, assim como numa implosão, dessas que a televisão exibe nos noticiários. E o pior é que, ao olhar para o chão da sacada onde estava, teve a mesma sensação; parecia que tudo estava desmoronando. Entrou correndo, Sentou-se novamente a olhar o teto com olhos esbugalhados; um medo inaudito apoderou-se dele.

O dia era claro, o sol entrava pelas janelas do pequeno apartamento onde residia.

Teve vontade de sair à rua. Levantou-se e desceu as escadas em passos cautelosos, pois tinha a impressão de que os degraus se moviam.

Caminhando pela calçada, no meio de grande número de pessoas, começou a experimentar um desejo incontido de gritar. Olhava para alguém e fazia imensa força para não berrar, pois era o que tinha vontade. Cerrou os dentes, fortemente, não abrindo a boca, porém, em sua cabeça tinha a impressão de estar gritando.

Decidiu voltar para casa, com medo do que pudesse suceder com ele na rua.

Entrou em uma padaria, comprou leite e bebeu lá mesmo.

O efeito da droga não passava...

Estava totalmente arrependido de ter concordado com a sugestão do colega para tomar o aludido medicamento. Mas, não sabia como resolver a situação, ficando com mais temor.

Num cruzamento movimentado, foi colhido espetacularmente por um veículo e por pouco não morreu; contudo, ficou seriamente ferido permanecendo internado numa UTI por oito dias e, posteriormente, por mais quarenta e cinco ficou no hospital.

Ele foi apanhado pelo carro porque se confundiu quanto a aproximação do veículo, sendo alcançado pelo mesmo, o qual seguia em alta velocidade.

Quando saiu do hospital tinha o estigma daquela fatídica noite em que ingeriu o dito estimulante: trazia apenas o toco da perna direita, pois esta teve que ser amputada em razão dos graves ferimentos sofridos no acidente.

Isto obrigou o pobre rapaz a encerrar, prematuramente, sua carreira de excelente baterista...

Hoje, mais experimentado na vida, continua na profissão de músico, como cantor, porém com uma prótese no lugar da perna direita...

Certa feita, encontramo-nos em São Paulo. Na ocasião, falou de sua história e, bem disposto, embora com uma ponta de amargura, disse-me:

- Que os jovens de hoje possam aprender com meu exemplo que, às vezes, na busca de um falso estímulo poderemos acabar com a nossa vida, lamentavelmente, de forma prematura. Eu até hoje não tomo nada, ainda como naquele tempo, todavia, por causa de meio comprimido, perdi uma perna. E, se tivesse ingerido todo ele, talvez tivesse perdido a vida...

PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 07/01/2011
Reeditado em 07/01/2011
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