A Tragédia
Eram sete criaturinhas vivendo e convivendo felizes num terreiro de três por dez metro de comprimento: três crianças, o mesmo número de aves e uma tartaruga. Essa última não chegava a chamar a atenção, até porque – pasmem! - mostrava-se um tanto agressiva em relação a todos os bípedes que a rodeavam. Havia ainda os progenitores das crianças, o pai e a mãe, mas estes naturalmente ficavam apenas observando tudo de longe.
Já em relação aos pássaros a criançada agia de forma muito diferente: a cacatua chamava-se Lili e as outras aves - dois coloridos periquitos australianos - haviam sido batizados respectivamente de Sorvete e Picolé pelas filhas mais nova e do meio do casal.
Cada um dos pássaros pertencia a uma criança diferente. A Lili era propriedade do filho mais velho e os piriquitos pertenciam às irmãs deste.
A função do pai era manter as aves no chão. Para atingir esse fim, fazia uso regular de uma tesoura de costureira e - de vez em quando - podava-lhes as asas no sentido inverso daquele com que um jardineiro habitualmente se colocaria a podar plantas e flores.
As crianças muito se divertiam com as aves. Duas delas, mais repletas de estripulias, chegavam a lançar as aves de uma para a outra como se fossem bolas de tênis. Noutras ocasiões colocavam as aves num pequeno muro que separava o terreiro da casa vizinha.
Em certa ocasião o pai se esquecera de seu ofício de costureiro e florista. As aves ficaram sem sua poda mensal. Aquilo fora o bastante para que a tragédia se sucedesse.
Naquele belo dia de Sol esfuziante as crianças mais uma vez brincaram de bola com os pássaros. Em seguida colocaram os bichinhos na borda do referido muro, para tomarem sol. Vendo-se daquela altura e de certa forma já conhecedores das possibilidades que Deus lhes havia dado, Lili e Picolé ainda se puseram por um segundo a espreitar a vida. Parecia mesmo que haviam se posto a calcular a extensão do salto que lhes cabia ou o tamanho da possibilidade da queda no caso de uma falha. Em seguida lançaram-se num leve pulo no espaço vazio da casa vizinha.
Avô Paulo costumava dizer que “ave de gaiola” costuma não sobreviver por muito tempo quando solta: gato logo pega e come...
Certo é que muito meses depois, quando algum dos meninos via pelas ruas um pássaro com penachos amarelos ou verdes, comentavam entre si:
- Nossa, como se parece com a Lili...
Ou então a filha mais nova perguntava esperançosa:
- Aquele passarinho ali não é o Picolezinho não?!
O outro periquito e a tartaruga que continuaram vivendo junto com as crianças no terreiro morreram uma de velhice e a outra atropelada meses depois pelo automóvel do pai.