Nenhum Homem é uma Ilha

Ilha é uma porção de terras cercada de águas por todos os lados. Diferentemente do braço de mar, que embora pareça cercado de água por todos os lados, liga-se ao continente por um feixe de terra. Quem está numa ilha, está isolado, não tem ligação direta com qualquer coisa que não sejam os limites terra-mar, por isso mesmo quem está numa ilha está a ver navios, literalmente. Para a psicologia, nenhum homem deve ser uma ilha, recolher-se em sua introspecção, faltar ao convívio da sociedade, ter amigos, um amor, um destino. Ninguém é uma ilha, porque ninguém nunca está absolutamente sozinho. Mas João estava – sozinho, numa ilha.. João era uma ilha só. Não porque quisesse isolar-se do resto do mundo, contar as estrelas que só ele via, ou fazer planos que nunca imaginara. Sonhava, sim, rapidamente sair de sua ilha, ir ao encontro do futuro, viver intensamente, sem as dúvidas que antigamente o atropelavam. Numa ilha, salário mínimo, carnês com muitas prestações e tantas outras lamentações não tinham, agora, importância alguma. A ilha era a única coisa que ele possuía. A ilha e a esperança de sair dela. Aquele tinha sido um dia comum, sem novidades, como eram todos os seus dias. Até mesmo o relógio de ponto da firma não atrasara, o que lhe permitiu sair no horário de Brasília, pontualmente. Nenhuma colega de trabalho despretensiosamente interessada cruzou seus passos; um olhar de promessa, na rua, nem pensar. Nada vezes nada! Só aquelas nuvens negras no céu, que se formavam e se encaixavam desesperadamente, como se umas não quisessem se desgrudar das outras, compromissadas que estavam na transformação do vapor d’água em chuva de grandes águas. João sequer foi consultado sobre o volume de água que seria precipitado, por isso, corajoso e despreocupado, seu caminho seguiu, o mesmo caminho de todos os dias, que prudentemente mudava quando as chuvas demoravam a se recolher. Nunca se esqueceu dos conselhos da tia solteirona, de que somente o peru morre na véspera. Não tinha nada, mas tinha tudo: tinha fé. Entretanto o destino, as chuvas e as águas lhe reservaram um destaque jornalístico. 111 milimetros de água precipitados provocaram dezenas de pontos de alagamento, enxurrada e água represada arrastaram João impiedosamente a um monte de entulhos, móveis jogados e o que mais as águas puderam concentrar numa ilha, em meio ao mar de lama, carros sob a água, pânico, e o que mais sua imaginação permitir. Nesse úmido cenário estava nosso João, vivo ainda, habitante único da ilha, sozinho, sob tentativa de resgate dos bombeiros, na telinha da mídia que cobria ao vivo num helicóptero de imprensa. Sabia que nenhum homem deve ser uma ilha. Mas ele era. João agora era uma ilha. Não sabia por quanto tempo, mas era uma ilha só.

magnodelaramadeira
Enviado por magnodelaramadeira em 02/01/2011
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