Carta de Exoneração
Rio de Janeiro, 01 de janeiro de 2011
Ilmª. Sra. Dra. minha juíza-generala
Venho por meio desta comunicar-lhe que a partir de hoje a senhora está exonerada do cargo de minha juíza-generala. A justificativa para o desligamento em minha vida se dá pelo simples fato de que seus trabalhos não são mais necessários. Durante muitos anos, sua presença foi fundamental para formar o caráter que tenho hoje e lhe agradeço por isso. Contudo, os tempos são outros. É desnecessário lembrar que hoje sou uma mulher adulta, vacinada, dona do meu próprio nariz e que tenho discernimento para decidir o que é melhor ou não.
Nossa convivência diária fez com que me tornasse uma pessoa detalhista, preocupada em apresentar o meu melhor sempre. Tal aprendizagem tem seu caráter positivo. Problemas começaram a ocorrer quando esta qualidade ultrapassou seus limites e não ser perfeita se transformou em uma grande dor. A cada pequeno erro, a vergonha e a decepção se acumulavam no peito, tornando a vida difícil. Ora, a senhora e eu sabemos que não existe perfeição absoluta na Terra. Mesmo os objetos, pensamentos ou seres humanos que podem ser considerados perfeitos em determinada época, não o são para posteriores gerações. A vida é um moinho, como já disse o poeta, e na boca do tempo tudo se acaba, tudo se desestrutura e o pó se faz presente, transformando a existência em dunas e desertos.
Mesmo sabendo que nenhum ser humano é perfeito, paradoxalmente teimo em sofrer por não sê-lo. Atribuo minha insana insistência ao convívio diário com a senhora. É bem verdade, e isso preciso admitir, que nossa relação hoje não é mais a mesma. O tecido social de nosso convívio, sinto-o desgastado. Convém lembrar que antes a senhora era dada a gritos, exaltações, berros que atordoavam minha alma juvenil e insegura, própria de adolescente que busca a aprovação do outro. Hoje, nosso convívio é diferente: a Ilmª. senhora já não mais grita e muito menos berra, apenas sussurra. Porém, quero lhe falar que muitas vezes sua voz sussurrante e delicada atinge minha couraça mais profundamente do que seus berros do pretérito. Com o passar dos anos, a senhora – que é extremamente inteligente, admito – aprendeu a lidar com meu crescimento e utiliza como arma a sutileza nas colocações. Sua acidez e ironia, muitas vezes, maltratam meu coração, apesar da idade acumulada na roda da vida. Por tudo isso, acredito que nosso relacionamento se tornou insuportável e não convém mais insistir numa relação tão saturada.
Creio que uma separação amigável é sempre mais conveniente do que brigas litigiosas de qualquer espécie. Que cada uma vá para o seu lado e desfrute das lembranças dos momentos bons que vivemos. O resto é resto e não vale a pena ressenti-se dele eternamente.
Por isso, venho lhe comunicar o caráter definitivo desta exoneração. Convém ressaltar que a senhora não poderá apelar para nenhuma instância superior, seja neste planeta Terra ou mesmo fora da órbita solar.
Seja feliz, eu estou sendo.
Atenciosamente,
Carla Giffoni
Cumpra-se!