Pensamentos de Viagem

Havia um jornal esquecido sobre um banco na estação.

Acho que eram oito ou nove da manhã. Um vento fresco e

agradável soprava com força, causando-me uma sensação

maravilhosa de conforto e liberdade. Para mim é sempre maravilhoso

desfrutar da frescura da estação. Por isso eu nunca tenho pressa para

que o trem chegue. Enquanto estou na estação posso observar os

pássaros, os pombos que se aninham nas vigas, e refletir sobre a sua

liberdade, essa liberdade-escravidão, porque ao mesmo tempo liberta

e aprisiona. Pois se por um lado as aves voam para onde querem, por

outro nunca têm um lugar certo para dormir, não têm outra escolha

senão passar a noite ao relento. Elas estão sempre presas à sua

própria liberdade. Por isso às vezes eu prefiro ser cativo. Prefiro a

segurança de não poder voar.

O trem chegou. Olhei para um lado e para o outro para ver se

o dono do jornal apareceria e, como ninguém se manifestou, eu o

peguei e embarquei.

Naquele horário não havia muitas pessoas no metrô. Assim,

escolhi um lugar na parte de trás do vagão e sentei junto à janela.

Assim que o trem entrou em movimento, minha mente pareceu ter

feito o mesmo. Observei o mundo a se mover lá do lado de fora e

senti o movimento e as vibrações agitarem meu corpo. Pus-me então

a pensar na vida. Foi por isso que eu escolhi aquele lugar do vagão.

Era um lugar em que eu podia ficar sozinho para pensar, sem

ninguém para me distrair, sem ninguém para interromper meus

pensamentos. Eu estava triste, meu peito doía por dentro. Queria

pensar em algo que me fizesse esquecer meus problemas. Ou talvez

apenas observar as pessoas, tentar descobrir o que estão sentindo

apenas lendo seus gestos e seu comportamento. Gosto às vezes de

observar as pessoas. Gosto de tentar ler as mensagens que seu

comportamento transmite.

O vagão estava quase vazio. Havia apenas seis pessoas. Uma

moça sentada sozinha, aparentemente triste, com a cabeça recostada

sobre o vidro da janela; um jovem casal sem filhos, a mulher com a

cabeça repousando sobre o ombro do homem, o homem parecendo

um tanto indiferente à mulher; dois rapazes, aparentemente amigos,

conversando sobre assuntos banais lá na parte da frente; e um homem

aparentemente nos seus trinta e cinco anos, sentado sozinho,

segurando uma sacola de frutas entre as pernas. Como não encontrei

nada de interessante naquelas pessoas, decidi voltar meus olhos para

o mundo lá fora, o mundo que se movia diante dos meus olhos.

Chegamos à estação seguinte e, quando as portas se abriram,

outras pessoas embarcaram. Uma senhora pequena e magra,

aparentando seus sessenta e poucos anos, veio e se sentou também na

parte de trás do vagão, mas no lado oposto ao meu. Tinha um sorriso

permanente, como se dormisse e acordasse sempre sorrindo. Parecia

ser uma mulher muito simpática. Seu ar meigo me fazia lembrar da

minha avó, que faleceu há poucos anos. Fez-me sentir saudades dela.

Pobre velhinha...

Não pude deixar de observá-la, mas logo que percebi que

também olhava para mim, voltei os meus olhos para o jornal que eu

tinha nas mãos. Não queria que ela tivesse algum motivo para iniciar

uma conversa comigo. Não gosto de conversar. Não queria conversar

com ninguém naquele momento. Queria apenas ficar só com os meus

pensamentos.

Na estação seguinte mais pessoas entraram no trem. A

velhinha então saiu de onde estava e veio sentar-se ao meu lado.

“Oh, não!”, pensei. “Por que ela simplesmente não fica onde

estava?!”. Continuei agindo como se não houvesse mais ninguém ali.

Ela também ficou em silêncio por um tempo, mas olhava

insistentemente para o jornal que eu estava lendo. O ar sorridente não

saía de seu rosto. A mulher irradiava alegria e serenidade.

Ela então me ofereceu um doce, que eu gentilmente recusei.

Depois se manteve em silêncio por mais uns dois minutos, mas logo

em seguida voltou a falar. A princípio eu me senti incomodado com a

presença daquela mulher. Mas depois de algum tempo comecei a

prestar atenção às suas palavras e por fim acabei me interessando

pelo que ela dizia.

“Vê aquela família ali na frente? O menino parece querer

falar, mas seus pais não lhe dão a menor atenção. Faz um bom tempo

que estão conversando sobre suas coisas bobas de adultos e não

percebem que o menino pode ter algo grandioso para dizer, algo que

talvez supere toda a sabedoria dos adultos. Mas o que aconteceria se

esses adultos então parassem e resolvessem escutar o que o menino

tem a dizer, e descobrissem a magia das coisas, os grandes segredos

que só as crianças conhecem? Não, isso jamais acontecerá...

Bobagem.”

Lembrei-me de quando eu era criança. Eu podia ouvir a voz

dos pássaros. Podia compreender as vozes da natureza. Podia

entender o sentido de coisas que hoje eu não compreendo. Tudo que

aquela senhora dizia fazia muito sentido. E o que ela dizia me fazia

sentir muito feliz. Ela, no entanto, parecia nem se importar se eu

estava prestando atenção ou não, como se não falasse comigo, mas

consigo mesma.

“Está vendo o sol se pondo lá no horizonte? O ocaso é muito

bonito, não é mesmo? Mas é também triste... Parece que o sol está

morrendo lentamente, sendo sugado pouco a pouco pelo horizonte

assassino, até desaparecer por completo. O céu, por sua vez, parece

se consternar pela morte do sol e então se cobre de luto. O negror da

noite parece o luto pela morte do sol. Parece a tristeza do céu pelo sol

que se foi. O que me conforta, no entanto, é saber que o sol não

morre. Ele está vivo lá do outro lado do mundo. Ele está iluminando

o céu de outro lugar. O sol não morre, porque a morte não existe. As

pessoas também não morrem. Assim como o sol, os que partiram

deste mundo estão brilhando lá do outro lado da vida. É por isso que

eu gosto tanto do ocaso. Porque sempre que eu vejo o ocaso eu me

lembro de que não existe a morte.”

Como eu queria ter anotado tudo aquilo que ela disse!

Cheguei a pegar um pedaço de papel e uma caneta para tentar

escrever. Não consegui escrever nada. O balanço do trem não me

deixou escrever. Assim é a minha vida, cheia de turbulências, cheia

de solavancos, que me impedem de escrever as linhas de minha

história em linhas perfeitas, precisas, com letras bonitas e bem

desenhadas... Minhas linhas saem tortas, como as linhas que comecei

a traçar naquele pedaço de papel.

Desisti de escrever. Chegou a estação terminal. A viagem foi

rápida demais. Queria ouvir um pouco mais aquela velhinha. Mas ela

já se preparava para se levantar. Antes de sair ela apontou para o

jornal que estava na minha mão e disse: “Muito obrigado por me

ouvir, rapaz. Eu estava precisando muito de alguém para conversar.

Você me lembra muito o meu neto, esse rapaz que está aí na foto no

seu jornal.”

Quando ela se foi, eu olhei para o jornal e vi na primeira

página a foto do neto daquela mulher. A matéria dizia que ele havia

sido assassinado por bandidos havia poucos dias...

Aprendi que sábias são pessoas como aquela senhora, que

sabem sorrir mesmo em meio à dor e ao sofrimento. Pessoas que não

sentem pena de si mesmas, que não culpam os outros por seus

problemas. Sábias são pessoas como ela, que mesmo depois de uma

grande tragédia conseguem enxergar a beleza das coisas.

Desci do trem, deixei aquele jornal sobre um banco qualquer

na estação e segui meu caminho, pensando nas palavras daquela

velha senhora e tentando ouvir a voz de minha própria alma.

***

Bruno Skylab
Enviado por Bruno Skylab em 29/12/2010
Código do texto: T2698708
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