DOUTOR

*Esta é uma obra de ficção e não pretende retratar uma pessoa ou conjunto de pessoas vivas ou mortas.

Hoje em dia, talvez pela necessidade dos tempos, talvez pelos avanços tecnológicos, a comunicação é deveras privilegiada, as pessoas estão interagindo mais, principalmente no ambiente virtual que tem se mostrado profícuo à prática da “troca de informações”. A universidade que freqüento instituiu um site através do qual mantém contato com todos os interessados: alunos, professores, colaboradores em geral... Às vezes eles nos mandam mensagens de conteúdo muito relevante. Foi assim que eu tive notícia da vinda DELE.

PROFESSOR DOUTOR Altemiro Moreira MORAL! Prof. MORAL se deslocaria da capital rumo a esta cidadezinha do interior para ministrar algumas de suas magníficas aulas, dentro em breve tão admirável ser humano estaria aqui, numa das simples salas desta humilde Faculdade de Filosofia. Quase não acreditei... Aquele senhor, autor daqueles importantes livros, viria até mim. Uma oportunidade de ouro que eu não deveria desperdiçar.

Obedeci ao chamado, no dia marcado, precisamente às 8 da manhã, no local que indicaram, eu estava de prontidão à espera do Dr. MORAL. O evento demorou um pouco para ter início, porém, lá pelas nove e uns quebrados principiou a primeira das tão esperadas aulas.

Fiquei abismado! A sapiência daquele homem me causara arrepios... Ele estava num outro nível. Sua teoria do “Devido Processo Filosófico”, aclamada em todo o país, reconhecida nos principais “centros pensantes” distribuídos ao redor do globo, era BRILHANTE, na mais intensa acepção do termo. Muita leitura, muita argúcia, muita vida.

Eu lá sentado, imóvel no “fundão”. Estarrecido e feliz, feliz por não saber tudo, agradecido por ter idéia do quão tortuoso é o caminho que precisarei percorrer até que alguém se disponha a me dar ouvidos. Minhas orelhas atentas memorizavam cada gesto do Doutor. Muitas pessoas admiradas, eu, admirado, foi quando tive a oportunidade de atuar como “co-construtor” do Discurso que se corporificava. Disse o grande MORAL: ---Alguém gostaria de se manifestar acerca dos pontos até agora expostos?

Silêncio geral. Até mesmo eu me senti intimidado, não seria coerente indagar sobre idéias que haviam sido expostas de forma tão completa, tão clara... No entanto eu não poderia perder a oportunidade de manter diálogo, mesmo que breve, com o honorável mestre. Ele... Mestre do mestre do meu MESTRE. Levantei o braço, o doutor viu.

---Pois não...

---Num primeiro momento eu quero agradecer a oportunidade de aprender com o senhor, douto e ilustríssimo mestre, também desejo lhe parabenizar pela louvável exposição de argumentos, ao passo que, apresento algumas colocações oriundas de conjecturas particulares, ansioso por saber sobre seu posicionamento acerca das mesmas.

---Prossiga...

Sim! Eu tive uma oportunidade única. Pude falar com um pensador ímpar, sobre o meu mais caro sonho transfigurado em Filosofia. Eu lhe contei (contei a todos os presentes) alguns aspectos da “minha Filosofia” (se bem que é uma pretensão infantil dizer que a Filosofia é “minha”), quis saber o que o professor pensava a respeito.

Fui execrado! MORAL fulminou minhas hipóteses.

Ruído. Divergências doutrinárias, incompatibilidade de GÊNIOS, como é comum aos humanos. O problema não está na discordância, e sim no jeito de discordar. O Professor Doutor se dirigiu a mim como se eu fosse um iletrado, um ignorante presunçoso, leitor de orelha de livro. A bem da verdade, conforme as palavras do emérito pedagogo, eu não era capaz de “ler livros” (desculpem-me a tautologia). Quase chorei! Alguma coisa relacionada à sensibilidade e ao seu antônimo.

Agradeço ao Professor Doutor por ter me colocado no “meu lugar”. Sou apenas um dos principiantes, tudo indica que sou o pior deles... Posso terminar como WEBER assassinado pela depressão. Corro o risco de nunca ter meu nome vinculado a um pensamento de vulto como o “Devido Processo Filosófico”. A tendência é que o pior aconteça, sou um covarde muito audacioso, forma de vida atormentada e paradoxal, energia sobrando disciplina em falta. Escrevo mal pra caralho, leio pouco, VIVO muito. Os livros que ainda não foram escritos se revelam nos diálogos, é nisso que acredito.

Sonho me tornar um professor doutor, mais do que isso, meu sonho é ser lembrado como um homem que fez uma tentativa em prol da sua raça, a RAÇA HUMANA, ente coletivo. Quero conseguir ao menos um terço... Fazer um terço do que fez Sócrates. Quero ser de alguma utilidade como Jesus, NIETZSCHE, MARX, Kant, Copérnico... Mesmo assim, admito que possa passar pela vida sem nunca conseguir chegar ao grau de evolução intelectual em que se encontra Altemiro Moreira MORAL. “Os sonhos vêm e os sonhos vão”, disse Renato Russo.

A comunicação, o ser e o estar humano. A busca pelo Eco. Até mesmo o silêncio é uma forma de expressão.

Eu fui embora! Exaltadíssimo optei por deixar o recinto onde se deu todo o debate, apesar de não ter se passado mais que uma hora desde o início de tudo. Alguma coisa em meu coração me compelia a gritar violentamente, algo no mesmo coração me obrigava a compreender. Eu mesmo, até bem pouco tempo atrás, era tão ou mais pernicioso. Hoje eu respeito um pouco mais as pessoas.

Sempre me lembrarei do DOUTOR, aquele que domina a Filosofia, que denunciou todas as falhas da minha frágil teoria inconseqüente, o homem que me desvelou, que pôde provar o quanto sou frágil e impreciso. Vou reler todos os seus livros, imbuído de uma devoção quase neopentecostal, a vasta produção acadêmica do colendo Professor se transformará na minha BÍBLIA, estarei atento a cada vírgula, alerta a cada detalhe. Pretendo escrever sobre todo esse PROCESSO.

Tudo isso porque nós nos comunicamos.

Jefferson; 27/11/2010 – 13:07.

Jefferson Flauzino
Enviado por Jefferson Flauzino em 29/12/2010
Código do texto: T2698296
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