Quando meu Mundo Caiu.
Tinha uma alegria inerente. Quase infame se pensarmos na fome e miséria de outros. Mas era alegre e poucas coisas deixavam-me tristes. Dificilmente algo que me fizesse chorar. Não era rica, mas amava tudo que tinha. E o que tinha bastava-me. Gostava da luz do sol, da lua, das estrelas. Gostava das manhãs de primavera logo depois da chuva com aquele cheiro de terra molhada. Amava a vida.
Só ficava triste com a tristeza dos que me rodeavam. Eu não sabia, mas era egoísmo. A tristeza, a dor de outros que não os que amava, não me tocava. Ficava alheia. Não me envolvia.
A primeira vez que comecei a perceber isso foi no Ano Novo. A festa seria na casa da nossa mãe e eu e meus irmãos fomos com nossas famílias. Cada um ficou de levar alguma coisa para enriquecer a mesa da ceia. Lembro que dei a idéia de fazermos um ritual de pedidos à meia noite. Todos comeriam doze uvas e a cada uma um pedido para o ano novo. E fizemos todos compenetrados. Só que após seis ou sete uvas eu não tinha mais pedidos. Sempre fui assim. Na missa quando o padre sugeria aos fiéis fazerem um pedido eu nunca tinha pedidos.
Falei alto que não tinha mais o que pedir. Minha irmã mais nova acabou com as doze e sobraram pedidos.
Soube mais tarde que minhas irmãs comentaram que eu era egoísta por não ter usado meus direitos de pedidos para outras pessoas. Na hora, fiquei brava. Depois pensei muito e fiquei envergonhada. Era verdade. Só pensei em mim e na minha prole.
Porém aos poucos acabei esquecendo esta verdade.
Quando adotei a Laura, pensei que não merecia tanta graça. Minha família estava finalmente completa. E linda!
Dois anos depois, com o diagnóstico do Autismo da Laura, meu mundo começou a cair.
Primeiro, a separação. Casamento desfeito por não suportar o peso de um desafio. Saí de casa com meus três filhos para ser dona da minha vida, do meu destino. Sozinha, não soube conduzir minha vida pessoal tanto financeira quanto afetiva. E sucumbi. Derrotada por um relacionamento desfeito, entreguei-me ao desespero e em consequência quase perdi o amor de meus filhos.
Vivia com a casa trancada e escura. Era como se a luz do sol me fizesse mal. E uma tristeza infinita morava em mim. Eu finalmente chorava. Lembro que minha cunhada foi me visitar e disse estas palavras: "Finalmente te vejo chorar, agora sim, sei que és humana!" Ela foi a única pessoa que me estendeu a mão! Acho que foi a única que me entendeu. Minha família, meus amigos afastaram-se sem entender o que acontecia comigo! E não sabiam como me ajudar!
Eu não sabia como me ajudar! Sabia que precisava sair daquela escuridão, mas não conseguia. Só a Laura mexia comigo e por ela eu tentava viver.
Mas nada era fácil. Na primeira reunião com os pais de alunos da escola que eu pretendia matricular a Laura, chorei muito. Eles me consolavam, mas eu chorava por um motivo muito egoísta. Olhava para aqueles pais sorridentes e conformados e não queria pertencer àquele grupo. Não queria ser uma mãe de autista e não queria ser um deles. E chorava.
Nesse meio tempo meus dois filhos casaram e foram morar com as suas esposas.
Nada me tocava. Não via beleza, alegria ou prazer em nada. Sabia que era eu quem precisava mudar, mas não conseguia.
Não sorria mais. Só chorava. Enquanto isto, ia perdendo tudo. Filhos, amigos, família.
Mas ainda tinha meu emprego, minha profissão. Era o que pensava.
Um dia, fui chamada na diretoria da escola. Devido ao fato de precisar faltar algumas vezes para atender a Laura, o diretor da escola sugeriu que eu saísse da sala de aula e trabalhasse em outro setor da escola. Foi a gota d`água. Sem meus alunos não era ninguém. Eram minha vida.
Depois de uma longa noite insone, tomei a primeira das decisões que mudariam definitivamente minha vida.
Fui até a escola e pedi demissão. Assim, acabei com o último dos laços da minha vida antiga. .
Comprei uma nova casa com muito sol, bem ampla e mudei-me só com a Laura. E recomecei. Sabendo quem eu era e o que eu queria.
Aprendi. Ah, se aprendi.
Com aqueles pais com quem não queria ser parecida, aprendi a ser solidária. Aprendi a amar cada criança autista que ali estava. E comovía-me com elas.
Agora, eu vejo o Sol. Eu vejo as pessoas. E as amo.
Ninguém está nesta vida a passeio. Estamos aqui para servir. Esta é a verdadeira alegria. Eu sirvo à minha filha que tanto precisa de mim, mas sirvo também a quem mais precisar.
Não queria ter uma filha autista. Mas tenho e o mínimo que posso fazer é dar a ela uma vida saudável e o mais independente possível. E vou sempre buscar e tentar o impossível. Porque o possível é mais fácil.
Tenho muita vergonha da pessoa que eu era assim como tinha vergonha de escrever sobre isto.
Vou estar sempre retocando este depoimento porque o quero o mais fiel possível...
Frase de Chico Xavier: Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito.
Tinha uma alegria inerente. Quase infame se pensarmos na fome e miséria de outros. Mas era alegre e poucas coisas deixavam-me tristes. Dificilmente algo que me fizesse chorar. Não era rica, mas amava tudo que tinha. E o que tinha bastava-me. Gostava da luz do sol, da lua, das estrelas. Gostava das manhãs de primavera logo depois da chuva com aquele cheiro de terra molhada. Amava a vida.
Só ficava triste com a tristeza dos que me rodeavam. Eu não sabia, mas era egoísmo. A tristeza, a dor de outros que não os que amava, não me tocava. Ficava alheia. Não me envolvia.
A primeira vez que comecei a perceber isso foi no Ano Novo. A festa seria na casa da nossa mãe e eu e meus irmãos fomos com nossas famílias. Cada um ficou de levar alguma coisa para enriquecer a mesa da ceia. Lembro que dei a idéia de fazermos um ritual de pedidos à meia noite. Todos comeriam doze uvas e a cada uma um pedido para o ano novo. E fizemos todos compenetrados. Só que após seis ou sete uvas eu não tinha mais pedidos. Sempre fui assim. Na missa quando o padre sugeria aos fiéis fazerem um pedido eu nunca tinha pedidos.
Falei alto que não tinha mais o que pedir. Minha irmã mais nova acabou com as doze e sobraram pedidos.
Soube mais tarde que minhas irmãs comentaram que eu era egoísta por não ter usado meus direitos de pedidos para outras pessoas. Na hora, fiquei brava. Depois pensei muito e fiquei envergonhada. Era verdade. Só pensei em mim e na minha prole.
Porém aos poucos acabei esquecendo esta verdade.
Quando adotei a Laura, pensei que não merecia tanta graça. Minha família estava finalmente completa. E linda!
Dois anos depois, com o diagnóstico do Autismo da Laura, meu mundo começou a cair.
Primeiro, a separação. Casamento desfeito por não suportar o peso de um desafio. Saí de casa com meus três filhos para ser dona da minha vida, do meu destino. Sozinha, não soube conduzir minha vida pessoal tanto financeira quanto afetiva. E sucumbi. Derrotada por um relacionamento desfeito, entreguei-me ao desespero e em consequência quase perdi o amor de meus filhos.
Vivia com a casa trancada e escura. Era como se a luz do sol me fizesse mal. E uma tristeza infinita morava em mim. Eu finalmente chorava. Lembro que minha cunhada foi me visitar e disse estas palavras: "Finalmente te vejo chorar, agora sim, sei que és humana!" Ela foi a única pessoa que me estendeu a mão! Acho que foi a única que me entendeu. Minha família, meus amigos afastaram-se sem entender o que acontecia comigo! E não sabiam como me ajudar!
Eu não sabia como me ajudar! Sabia que precisava sair daquela escuridão, mas não conseguia. Só a Laura mexia comigo e por ela eu tentava viver.
Mas nada era fácil. Na primeira reunião com os pais de alunos da escola que eu pretendia matricular a Laura, chorei muito. Eles me consolavam, mas eu chorava por um motivo muito egoísta. Olhava para aqueles pais sorridentes e conformados e não queria pertencer àquele grupo. Não queria ser uma mãe de autista e não queria ser um deles. E chorava.
Nesse meio tempo meus dois filhos casaram e foram morar com as suas esposas.
Nada me tocava. Não via beleza, alegria ou prazer em nada. Sabia que era eu quem precisava mudar, mas não conseguia.
Não sorria mais. Só chorava. Enquanto isto, ia perdendo tudo. Filhos, amigos, família.
Mas ainda tinha meu emprego, minha profissão. Era o que pensava.
Um dia, fui chamada na diretoria da escola. Devido ao fato de precisar faltar algumas vezes para atender a Laura, o diretor da escola sugeriu que eu saísse da sala de aula e trabalhasse em outro setor da escola. Foi a gota d`água. Sem meus alunos não era ninguém. Eram minha vida.
Depois de uma longa noite insone, tomei a primeira das decisões que mudariam definitivamente minha vida.
Fui até a escola e pedi demissão. Assim, acabei com o último dos laços da minha vida antiga. .
Comprei uma nova casa com muito sol, bem ampla e mudei-me só com a Laura. E recomecei. Sabendo quem eu era e o que eu queria.
Aprendi. Ah, se aprendi.
Com aqueles pais com quem não queria ser parecida, aprendi a ser solidária. Aprendi a amar cada criança autista que ali estava. E comovía-me com elas.
Agora, eu vejo o Sol. Eu vejo as pessoas. E as amo.
Ninguém está nesta vida a passeio. Estamos aqui para servir. Esta é a verdadeira alegria. Eu sirvo à minha filha que tanto precisa de mim, mas sirvo também a quem mais precisar.
Não queria ter uma filha autista. Mas tenho e o mínimo que posso fazer é dar a ela uma vida saudável e o mais independente possível. E vou sempre buscar e tentar o impossível. Porque o possível é mais fácil.
Tenho muita vergonha da pessoa que eu era assim como tinha vergonha de escrever sobre isto.
Vou estar sempre retocando este depoimento porque o quero o mais fiel possível...
Frase de Chico Xavier: Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito.