Fatalidades
Hoje em dia as pessoas têm vergonha de dizer “eu te amo”. Sentem-se ressabiadas, tentam inventar coisas, maneiras de fazer tal declaração.
Marta, mulher que pede pouco. Alta e de corpo delgado. Universitária com uma filha. Ulisses, homem de meia idade. Infeliz, separado legalmente. Nunca cursou uma cadeira universitária sequer.
O que essas pessoas têm em comum? O fato de nunca terem se conhecido.
Se por acaso se conhecessem, o que passaria? Nada, não sei. Não vivo em mente nem em coração alheios...
...
Há gente que pergunta se a vida está boa, se está tudo equilibrado, se o dinheiro está dando ou sei lá o que mais...porém, ninguém pergunta se o coração está equilibrado, os olhos estão inteiros ou se a alma passa fome.
Outro dia, minha filha me perguntou o porquê de não ter me casado. Perguntou se eu tinha medo de amar. Ela jura, selando os dedos com os lábios, não fazer pirraça, má-criação e até sorriria se ele a chamasse de filha.
Eu a abracei e lhe beijei a testa. Com meu corpo trêmulo e olhos derretidos fui ao meu quarto, não é coisa para criança ver adulto chorar.
A menina me olhando obscenamente fala: você ‘tá chorando, mamãe! Quanto tempo você não ri, hein?”.
Eu dei um sorriso debochado e seco, então ela rebateu: Sei...
Ela já tem idade para ironizar.
Deitei-me na cama e me cobri toda até os grandes cabelos que só me atrapalham. Ouvia meu coração.
“Mamãe, ta na hora de você arrumar um namorado!”, esbravejou-a.
Eu sorri, puxei Lóri para cama, abracei-a e dei-lhe um beijo.
“Isso é coisa de adulto,menina; de gente grande. Vai brincar com sua filha, pentear os cabelos da Jú...” Corta-me com ar de criança: Luisa, mamãe!
Sentadas na cama, eu concordo.
Como ela levanta, embola os cabelos que lhe atrapalham o rosto, ajeita o vestido... Parece tanto comigo...
“Posso usar seu pente de cabo branco, mãe?!”,me pergunta com voz de seda.
“Claro, querida, o que é meu é seu”
A menina pega o pente como uma rainha e o agarra nas mãos como uma águia quando vitoriosa tem a sua presa.
“Mamãe, você é feliz?”, pergunta Lóri.
“Sim querida, eu tenho você!”, respondo
“E se um dia eu sair?”, me desafia com os olhos.
“Sair para onde? Para casa de uma amiguinha?”. Esmorecida e ameaçada, contestei.
“Ué, quando eu casar, quando a Luisa virar uma grande bailarina e viajar muito, quem vai arrumar o cabelo dela assim como você faz com o meu?!”, diz a pequena advogada.
Muda e de olhos sensíveis, a mãe responde “A mamãe vai entender e...”.
A menina reprova: “Chorando de novo mamãe?”.
“Eu!? Não querida é que...”, disse sem saber o que dizer.
“Mãe, quando a gente se casa, a gente fica triste? Porque eu não quero ficar triste... quero ficar só com a Luisa então”, revela a menina.
Fiquei de rosto claro e a abracei, coloquei-a sentada em meu colo e disse: “Você não ia pentear o cabelo da sua filha?”.
Ela consente com a cabeça e procura o pente na cama.
Nessa hora, o vazio me ocorre assim como a fraqueza dos homens e a insegurança dos deuses. “Quem é essa mulher que me desnuda, me bate na cara com palavras feitas de meu próprio sangue?! O que ela quer me mostrar? O que o mundo quer de mim? O que será a minha salvação?”
Sem saber ao certo que fazer, seguro-a e digo: “Eu te amo, filha minha”. Como essas palavras ecoavam em minha mente “filha minha”...
“Achei o pente mamãe”, cortando meu transe hipnótico.
Mais segura de mim, falo: “Agora vá cuidar de sua filha!”.
A menina levanta, abraça a mãe e penteia os cabelos da mesma. Olhando-a nos olhos, diz:
“Já estou cuidando mamãe. Eu também te amo!”.
A mão da menina ampara as lágrimas da mãe. Fala com ar de gente crescida:
“Preciso te arrumar um namorado!!”
As duas riem e se abraçam de prazer.
WilliamGO