A HISTÓRIA SE REPETE...

Os dramas que se sucedem no anonimato, no total desconhecimento público, envolvendo as pessoas de idade, seja no Brasil, ou em boa parte do mundo, são de arrepiar.

Até parece exagero certos relatos feitos a respeito do que ocorre com os pobres velhos, que chegam à senectude e não contam com a sorte de ter uma família composta de pessoas sensíveis, portadoras de sentimento de gratidão.

Certa feita tomei conhecimento da história de uma velhinha que estava internada num hospital psiquiátrico, já há alguns anos.

Apresentava sinais de distúrbios psíquicos, vivia à base de medicamentos, ocupava um apartamento sozinha, totalmente esquecida pelos familiares que sumiram no mundo.

Fora pessoa de muitas posses, ou seja, os filhos açambarcaram praticamente toda a fortuna da família, deixando pequena parcela, a qual mensalmente, vinha por ordem bancária para custeio do internamento.

A "pobre" velha, de nome Antonia, conforme me foi relatado, à ocasião, por um seu parente que a visitava, sempre fora uma mulher voluntariosa, seu marido construíra um verdadeiro império, desde os bons tempos da indústria madeireira no Paraná, possuindo várias fazendas, em diversos quadrantes do país. Algumas se dedicando à criação de gado com milhares de cabeças, enfim, uma fortuna considerável.

Tiveram quatro filhos homens e uma mulher.

Logo que o marido morreu, a senhora Antonia assumiu o comando dos negócios, com mão de ferro e, muita competência.

Dois dos filhos maiores, que estudavam em Universidade, fora do Estado, logo abandonaram os estudos e retornaram para perto da mãe, que não gostou nem um pouco daquela atitude, os quais, inclusive, nem a consultaram.

Começaram a se intrometer nos negócios, dando palpites sobre tudo, de tal sorte que se infiltraram na firma, a pretexto de ajudá-la.

No início, as coisas caminharam de forma razoável, porém, depois de alguns meses, já conhecedores de todo o movimento da empresa, planejaram assumir, sozinhos, seu controle total. Até convenceram os outros irmãos que era benéfica tal providência, visto que sua mãe já possuía alguma idade e era mais do que justo que a mesma descansasse, passando a administrar apenas seu lar.

Quando levaram a notícia à senhora, esta, de imediato, recusou aceitar tal idéia, afirmando estar muito bem de saúde, com disposição e nem pretendia aposentar-se. Os filhos ficaram irados com sua recusa. Todavia, continuaram fazendo a mesma coisa na empresa, até que urdiram uma trama pela qual pretendiam afastar a mãe dos negócios.

Um deles, mais informado no assunto de medicamentos, imaginou que se ela aceitasse tomar algo contra o cansaço e o stress, ele trocaria o medicamento dando-lhe um tipo de vitamina, no auge da moda, porém, possuindo certos efeitos colaterais que, em pouco tempo a deixariam mais indisposta, cansada, fazendo com que pudessem deixá-la de lado.

Ocorre que, Dona Antonia, inocentemente, ao tomar tal medicação, começou a apresentar os sintomas já esperados e pediu para ir ao médico. Este, então lhe prescreveu algum repouso e a suspensão da ingestão das supostas vitaminas, o que foi feito.

Passado algum tempo, a senhora, sentindo-se melhor, decidiu voltar aos negócios e seus filhos não tiveram o mínimo escrúpulo para esconder sua contrariedade, porém, tiveram que engolir a presença da mesma no comando de tudo. Inclusive, desfazendo algumas providências que haviam tomado.

Os dias foram passando, e ambos cada vez mais contrariados, pois tinham feito planos para dominarem todos os negócios da família e, assim sendo, chegaram ao extremo de um projeto macabro, que consistia em colocar, diariamente, na alimentação da mãe, pequenas quantidades de uma droga alucinógena, a qual, em pouco tempo principiou a alterar suas condições psíquicas. Gradativamente, seu comportamento foi-se tornando mais estranho, e, mesmo com atendimento médico, não se alterava, até que seus filhos sugeriram o internamento em um hospital psiquiátrico.

Foi internada, apesar de seu protesto, seu choro, sua declaração de que não estava louca; nada alterou o que os dois planejaram.

Numa espécie de desencargo de consciência, exigiram o melhor apartamento do hospital, para onde inclusive, levaram alguns móveis do uso particular da mãe e lá deixaram a desditosa senhora.

É interessante notar que os outros filhos, que não participavam do plano sinistro, apoiavam integralmente os frios, calculistas e habilidosos irmãos, sem perceberem a hediondez de tudo.

Depois de algum tempo, Dona Antonia livre da ingestão da droga alucinógena apreendeu, num lance de lucidez, a real intenção de seus filhos, e chamou os outros, aos quais relatou sua desconfiança.

Entretanto, ao ouvirem o arrazoado da mãe, estes concluíram que a mesma estava com as faculdades mentais alteradas para pensar daquela maneira de seus próprios filhos.

Até solicitaram aos médicos um possível aumento na medicação.

Após o ocorrido, a senhora ainda falou com médicos, enfermeiras, com outras pessoas, contando o que pensava estar ocorrendo, não sendo levada em consideração.

Então, fechou-se num casulo de tristeza que, pouco a pouco, foi-se transformando em quase que total mutismo e, em breve, era considerada uma verdadeira alienada mental, recebendo forte medicação para tanto.

Passado algum tempo, envelhecera rapidamente, perdera peso, era uma criatura que entristecia quem a visse entrevada no leito hospitalar, somente aguardando a morte para liberá-la de tal sofrimento.

Embora, tempos depois, o plano cruel de seus filhos tivesse sido descoberto, já era tarde demais para ela que, acabara se desinteressando pela vida, e nada poderia devolver-lhe a alegria de viver.

Os dois filhos desapareceram no mundo, talvez enlouquecidos pela consciência; os dois outros, também ralados pelo remorso, sequer a visitavam, e, assim, estava prestes a terminar a saga de mais uma pessoa que ao chegar à velhice fora considerada um estorvo, por filhos gananciosos, ingratos, a exemplo de muitos que transitam por este mundo.

Até quando? Até que cheguem à velhice... Se chegarem...

PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 23/12/2010
Reeditado em 23/12/2010
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