Coelhocídio.
Havia amanhecido de tarde e pelo que me consta o dia estava frio e nublado. Algo bastante simbólico. Meus primeiros pensamentos foram "Por que estou de pau duro?", "Como terminaria esse sonho?" e "Ele ainda tá vivo?".
Este Ele da útlima pergunta se referia ao coelho que desde outro dia estava lá, caído no meu quintal. Era um bichinho de estimação sem nome, o que não significava que não tinha significado. Tentava chamá-lo por Bichinho, Coiso, Flunfa, só que ele só respondia se eu tivesse alguma comida na mão.
Seu estado se deteriorou tanto nos últimos dias.
— Ele tá sofrendo. Por que a gente não mata ele? — disse à minha mãe.
— Credo! Que isso.
Frio e calculista.
Vamos prolongar seu sofrimento o máximo que conseguirmos, porque não importa tanto como se viva, contanto que esteja vivo.
O veterinário disse que pagar um tratamento para ele seria inútil, já que coelhos são animais baratos.
Frio e economista.
Foi tão estranho vê-lo se remexendo no chão, sobretudo porque me identificava com ele: também era dependente de um outro que me alimentava e me dava abrigo e precisava de alguém me trocasse o jornal onde cagava. Simbolicamente, é claro. Outra semelhança era trepar numa rapidez impressionante...
Seja como for, era hora de acabar com aquilo.
Não seria hora também de acabar com meus pais?
...
"É-nos de grande valia comparar as ideias adolescentes com as da infância. Se, na fantasia do crescimento primitivo estiver contida a morte, então, na adolescência, ver-se-á contido o assassinato. Mesmo quando o crescimento, no períoso de puberdade, progride sem maiores crises, é possível que nos defrontemos com agudos problemas de manejo, porque crescer significa ocupar o lugar do genitor. E realmente o é. Na fantasia inconsciente, crescer é, inerentemente, um ato agressivo." [Winnicott, 1969]