TEMPO PERDIDO (Conto - Documentário)
Eu nasci em terra firme, onde só nasce erva daninha, mas gente de respeito, zona sul, terra perdida. Tempos de pipa, futebol no asfalto, esconde-esconde, peão e bolinhas de gude. Hoje os tempos já são outros, sem bom senso e sem respeito, ninguém respeita ninguém, desordeiros tomando conta, sem fé e sem rumo, movidos somente pelos vícios. Sempre observei tudo a minha maneira, a minha paixão pela fotografia vem desde aqueles tempos e graças a ela, pude seguir o meu próprio caminho e a cada dia venho conquistando mais e mais o meu espaço e hoje eu sei, que é possível sim conseguir viver os nossos sonhos, sem deixar que eles se percam no caminho.
Após alguns anos, eu retorno ao meu berço, onde me deparo com rostos conhecidos, mas com expressões desmotivadas, cansadas, desacreditadas e cheias de malicia. O campo de terra já não tem mais as traves de madeira pintadas em branco e onde era marcada a linha lateral, era possível enxergar alguns indivíduos tentando fugir de suas realidades, buscando a insanidade em seus vícios. Caminhando com a minha câmera de mão, procuro mostrar um pouco dessa realidade que vem tomando mais e mais conta dos dias de hoje e sobre a lente, logo ali na esquina de frente a um bar, um grupo de rapazes vestidos a caráter… A caráter da periferia: calças jeans, camisas listradas, tênis Nike, Timberland ou adidas e bombetas com a marca da moda, no momento oakley. O assunto do momento parece ser sobre uma festa que vai rolar ao céu aberto hoje á noite e ao que parece, já estão se preparando para lucrar em cima disso e farão o possível para conseguirem isso.
O pó ali ao ar livre já vira carreirinha em pleno sol escaldante e desaparece sem deixar vestígio algum. Logo chega um rapaz, mas esse de moto e com uma garota na garupa vestindo roupas o suficiente para só tapar o necessário, aparentemente ela poderia ser modelo ou seguir caminhos que a levariam a não precisar viver em meio a isso, mas parece que algumas pessoas não têm visão para o mundo e conseqüentemente, não enxergam nem a elas mesmas. Ao que parece o rapaz da moto é o maioral, justamente por ter uma moto, parece que isso te trás status por aqui; mulheres, amigos, drogas… “Em terra periférica, quem tem moto é rei” e é aí que começam os primeiros problemas, pois todo mundo quer ser rei e fazem de tudo por uma, arrumam algum trabalho, seja no Mc Donalds ou em alguma loja de roupa, repositor de super mercado talvez e já no primeiro salário, compram uma moto, pois o importante não é você saber se vai poder pagar ou se sua mãe precisa de ajuda, o que vale mesmo é você conseguir a mulherada, status e afins. Mas poucos são capazes de se manter no trabalho justamente por só pensarem em festas, aí para manter o status, acabam tendo de trabalhar com os negócios que movimentam a baderna. O rapaz da moto não demora muito e logo vai embora e logo em seguida chega à estatística em pessoa… Um rapaz que acabara de tirar a sua primeira moto, chega exibindo-a aos amigos, e já sai buzinando pra cada garota que passa na rua e uma delas, que aparenta não ter nem quinze anos ainda, já deu a entender que é só chegar, mas ele é malandro, vai esperar a grande noite, que é onde vai ferver e lotar de garotas que poderiam estar estudando e conseguindo suas próprias motos e com certeza muito mais, mas não, elas querem um pouco de adrenalina ou parecem só ter o prazer em alimentar as idiotices dos garotos que não estão nem aí para elas. As horas passam e logo chega à lua cheia que ilumina a grande noite, onde de frente ao mesmo bar, vários carros se aglomeram com suas caixas de som, com o Mc Catra cantando mais alto que as estrelas no céu e isso já passou da meia noite, onde não respeitam a vizinhança onde em sua grande maioria, terá que acordar cedo para trabalhar, mas eles não estão nem aí, o importante é sexo, drogas e a música gritando as suas intenções.
O garoto que acabara de comprar a sua moto chega todo confiante e as garotas já o observam… reparem que nessas ocasiões, elas são como uma vitrine, se você está de moto, você escolhe a vontade, elas não se dão ao respeito, algumas estão até em promoção: “leve duas e ganhe uma de graça”… Aí ele visualiza uma que chama a sua atenção e eles nem conversam muito, ele só mostra a garupa e logo vão pro primeiro round em algum motel ou em alguma caçamba de carro enquanto a droga rola solta e assim, muitas noites acontecem nesse mundo e o tempo passa, e logo chega uma noite em que o rapaz novato já experiente, é surpreendido, onde aquela mesma guria que ele conheceu em sua primeira noite com sua moto, apareceu para dizer que está grávida…
ROLETA RUSSA, A VAGABUNDA DO BAIRRO ESTÀ GRÀVIDA – QUEM SERÁ O PAI?
Tinha que ser ele, o rapaz foi premiado, parabéns, o garoto tem a cara da sua moto. Agora ele que mal ganha um salário, já tem um filho pra cuidar e a única saída é se juntar, pois pensão nem pensar e olha que ele ainda não terminou de pagar seu tênis novo ainda, sem dizer que fugiu da escola… Ele então tem que vender o seu reinado a algum amigo e ainda tem que ser pela metade do preço, pois ainda havia a dívida da droga usada por noites e mais noites… Esse filme eu conheço bem, eu sei de cor o seu final, ambos arruínam seu próprio futuro e depois têm de viver juntos em um cômodo em algum quintal e quem paga o pato são seus pais, por terem de ajudar. Ambos sem estudo e sem rumo são convidados a trabalhar em uma boca de fumo, o que pode vir a lhes trazer algum sustento, e sem muita escolha, ambos acabam aceitando o problema é que acabam se viciando no movimento e o dinheiro acabava sendo queimado com o próprio produto e com o tempo, até mais do que podiam pagar. Endividados são surpreendidos e assassinados por um atirador que pilotava a moto que ele comprara á alguns tempos atrás. Logo a vizinhança se aglomera em volta de seus corpos jogados sobre o antigo campo de terra e no jornal o fim de suas histórias sendo arquivadas junto às estatísticas que nunca dão em nada, mortos pelas suas próprias escolhas e a imagem de suas mães chorando, jurando que seus filhos não mereciam aquilo, parecendo não acreditar no que elas ouviam sobre eles, pois são sempre as últimas a saberem. E o filho do casal, cresceu em meio a isso e querem saber qual o seu destino?
Bom, hoje ele se tornou um fotógrafo respeitado, onde faz de suas imagens o seu próprio caminho, mostrando que nem tudo está perdido e sobre a sua lente, ele passou a conhecer e a mostrar muitas histórias como a dele, mas nem todas com o mesmo fim glorioso, onde em muitas delas, seus personagens se perderam, não sabendo lidar com a situação, onde o enredo até se repete, com novas motos, novos vícios, mas com o mesmo fim trágico de seus pais.
(Felipe Milianos)