Chuva Fria
Passeio lentamente sob esta chuva fria, já é verão, mas
ela está fria.
As pessoas passam por mim estremecidas, cruzando os bra-
ços numa tentativa de se aquecer.
Ela se intensifica e banha intensamente as árvores e os
jardins das ruas do meu caminho. A água corre junto à calçada como
o pequeno córrego da minha infância, onde delicadas frotas de bar-
quinhos de papel navegavam em busca de aventuras e de novas ro-
tas, assim que dobrassem as esquinas.
A saudade daqueles tempos cresce em mim, vou lembran-
do as brincadeiras em dias de chuva e começo baixinho cantarolar:
"Chove chuva, chove sem parar".
" Pois vou fazer uma prece".
Era o que cantávamos para homenagear aquela benção
dos céus. Deitavamos na grama e sentíamos o cheiro da terra
molhada e ficávamos ali, imóveis, sentindo todo aquele prazer.
Saio das minhas lembranças para atravessar uma
esquina e tomo uma decisão: tiro minhas sandálias e descalça
caminho, relembrando velhos tempos. As pessoas passam olhando
espantadas
e até perguntam:
- A senhora está bem?
- Sim, e com desejo de cometer pequenas loucuras.
Elas ficam sem entender nada.
Como é que uma senhora de idade madura, de aparência
tão normal, está descalça, levando nas mãos as sandálias, a
sombrinha fechada e cantando:
"Chove chuva, chove sem parar"
"Pois vou fazer uma prece"
"Pra Deus nosso Senhor"
Já sei, se na próxima esquina alguém perguntar nova-
mente, direi:
- Estou relembrando e esperando a frota passar.
Não irão compreender obsolutamente nada, mas
minhas lembranças sim.