Chuva Fria

Passeio lentamente sob esta chuva fria, já é verão, mas

ela está fria.

As pessoas passam por mim estremecidas, cruzando os bra-

ços numa tentativa de se aquecer.

Ela se intensifica e banha intensamente as árvores e os

jardins das ruas do meu caminho. A água corre junto à calçada como

o pequeno córrego da minha infância, onde delicadas frotas de bar-

quinhos de papel navegavam em busca de aventuras e de novas ro-

tas, assim que dobrassem as esquinas.

A saudade daqueles tempos cresce em mim, vou lembran-

do as brincadeiras em dias de chuva e começo baixinho cantarolar:

"Chove chuva, chove sem parar".

" Pois vou fazer uma prece".

Era o que cantávamos para homenagear aquela benção

dos céus. Deitavamos na grama e sentíamos o cheiro da terra

molhada e ficávamos ali, imóveis, sentindo todo aquele prazer.

Saio das minhas lembranças para atravessar uma

esquina e tomo uma decisão: tiro minhas sandálias e descalça

caminho, relembrando velhos tempos. As pessoas passam olhando

espantadas

e até perguntam:

- A senhora está bem?

- Sim, e com desejo de cometer pequenas loucuras.

Elas ficam sem entender nada.

Como é que uma senhora de idade madura, de aparência

tão normal, está descalça, levando nas mãos as sandálias, a

sombrinha fechada e cantando:

"Chove chuva, chove sem parar"

"Pois vou fazer uma prece"

"Pra Deus nosso Senhor"

Já sei, se na próxima esquina alguém perguntar nova-

mente, direi:

- Estou relembrando e esperando a frota passar.

Não irão compreender obsolutamente nada, mas

minhas lembranças sim.

betitesta
Enviado por betitesta em 03/12/2010
Reeditado em 03/12/2010
Código do texto: T2650877