PASSARINHOS MILAGREIROS
Após o indefectível ritual das suas orações, dona Eulália foi invadida por um pensamento macabro... Seu filho voltaria?... Que bobagem! Claro que voltaria, são e salvo, para uma vida nova, repleta de felicidade com aquela moça da qual ele jamais se desgrudava para estudar, passear, fazer compras e planos para o futuro. Voltaria, tostado pelo sol do Nordeste, cabeça fresca, energias redobradas e iria viver a vida dele, na casa dele, bem longe da poluição que infestava o apartamento onde ela o vira crescer, fazer-se homem e casar-se para, então, deixá-la ali, sozinha, sem ter mais o que fazer.
Sentindo-se confusa, imersa em seus pensamentos contraditórios e tomada pela insegurança que lhe avassalava a alma, ajoelhou-se, novamente, em seu quarto, e, como de costume, orou ao santo de sua devoção, cuja imagem jazia estoicamente sobre a cômoda. Dedos cruzados, mãos trêmulas, ela orou com o fervor daqueles que estão prestes a perder a última esperança: "Não permita, meu santinho, que o meu filho me troque por aquela sirigaita que faz de tudo para roubá-lo de mim". Colocando a cabeça entre as mãos, soluçou, copiosamente, na penumbra do quarto.
Ao descerrar as cortinas, desolada, foi surpreendida por um casal de passarinhos que sobrevoavam a fiação do poste de luz, cantando, desbragadamente. Pela primeira vez prestou atenção no diálogo amoroso dos passarinhos e reverenciou-os com palavras que mais se assemelhavam a uma oração: "Vocês é que estão certos! Continuam cantando porque aprenderam a confiar no poder das próprias asas. Também sou dona do meu canto e responsável pelo meu vôo. Agora recebo, com gratidão, a dádiva da liberdade".
Dona Eulália saiu cantarolando, comprou uma gaiola, colocou dentro dela a imagem do seu padroeiro e pendurou-a na sala.
Quando seu filho regressasse da lua-de-mel ela lhe falaria sobre o significado do MILAGRE.