Mamãe ama filhinho

Em todas as manhãs desde que entrara em suas férias o jovem Fernandinho ouvia sua mãe lhe dizendo o quanto ele era um filho ingrato, e o quanto ela sofria por ele.

O jovem que tinha apenas treze anos acreditava em tudo aquilo e já tinha inclusive feito uma promessa a Deus para que lhe perdoasse por ter nascido e por ser tão ruim para a sua pobre mamãe.

Desta forma, como uma esponja, absorvia, todos os dias, as reclamações da bela mamãe.

Tão grande foi a carga sobre si mesmo que aos dezoito anos Fernandinho já possuía seu emprego e renda própria, o que lhe permitira ajudar os irmãos, e cuidar da casa enquanto sua mãe juntamente ao novo namorado se divertia pela noite.

Nesta época os ombros do jovem já salientavam uma inclinação como de quem carrega uma geladeira, com certeza no futuro teria problemas - estava se tornando “corcunda”.

È justo, pensava Fernandinho, afinal ela teve que me carregar por vários anos.

O jovem se empenhava em ser generoso e em cuidar para que nada saísse do lugar.

Quando comprava um tênis, ou algo que fosse novo, logo sua mãe o reprimia e ele se sentindo constrangido e culpado, comprava também para seus irmãos. Quando saia a noite tudo que consumia era pelo preço mais baixo, para que sobrasse mais para ajudar, a mamãe.

A mamãe por sua vez, mulher velha, de energia a flor da pele estava sempre com os olhos ejetados de sangue a correr em pequenos vasos que não deixavam o branco dos olhos se destacarem.

Sempre o olhava, sempre o julgava, reclamava das roupas que o jovem usava, das palavras que dizia e de tudo o que fosse concernente a ele.

Tinha um arquivo de reclamações e como se aquele jovem, entretido em pensamentos, fosse uma cesta de lixo - ela sempre tinha uma crítica pra dirigir a ele.

O esforço era constante para mantê-lo em constante tensão a respeito de novos problemas e daqueles que não havia, ainda, resolvido, tendo ela sempre como último referencial.

A opinião da mamãe era sempre a última.

O jovem às vezes se sentia abatido com isto, perdera o hábito de fazer amigos, pois as ocupações familiares eram sempre muito pesadas, mas quando o via triste a bela e manipuladora mamãe sempre lhe dava atenção, como se um olhar dela fosse uma nota de cinqüenta reais para um mendigo.

Certo dia, o jovem resolveu sair com uma nova namorada , e era o dia de seu aniversário, percebendo a alteração daquela atitude, a mamãe triste se pôs a lamentar pelos cantos da casa.

Chegando em casa, em torno das 11 horas da noite, o jovem foi abordado por sua mãe, que se encontrava em avançado estado de embriaguez. Solícito como sempre ele parou para ouvi-la, enquanto ela pronunciava em voz enrolada.

-Mamãe ama filhinho, filhinho ama mamãe?

Repetiu a ladainha por algumas vezes e após ter confirmada a sua finalidade, dirigiu-se realizada ao seu leito, onde o namorado novo a esperava.

Certo dia, após o uso de um preservativo deu um nó e guardou no bolso. Como a controladora mãe sempre sabia a respeito de todos os fatos do filho, inclusive, tendo o hábito de sempre mexer em seus bolsos, logo ficou sabendo da novidade, e deu a resposta.

“- Vagabundo, cachorro, sem coração você tem um mãe e seus irmãos para cuidar, vagabundo, fica arrumando mulher na rua, enquanto sua mãe sofre aqui com seus irmãos. Tem que cuidar da sua família seu cachorro.”

Toda a família e os vizinhos presenciaram o espetáculo de acusações e de cobranças.

O honesto e solícito jovem chorou muito neste dia, porque não queria nunca desagradar a sua mamãe.

Desta forma, o jovem vivendo com uma mala de culpas, arrastava-se pelos arredores do seu prédio, da sua vida, da sua dura realidade.

Certo dia em uma reunião familiar em que mais uma vez o jovem se oferecia para prestar seus conselhos, iniciou, o filho, sua colocação e ponderação, quando foi interrompido por sua mãe que em alto e bom som, lhe disse diante dos demais presentes:

-Você não pode dizer, pois quem manda na casa e em quem eu quiser sou eu.

Sem querer contrariar a mãe, não obstante ser Fernandinho o responsável pelas questões financeiras, afetivas e outras da casa, o jovem prontamente se calou, e se recolheu ao seu canto.

Devido à sua étical elevada, foi-lhe oferecido o cargo de síndico do condomínio onde morava, ocorre que sua mãe prontamente recusou a proposta em seu lugar, dizendo que o mesmo tinha mais o que fazer.

Com todas estas cenas diárias, logo o direito de ofender e subjugar Fernandinho se estendeu também a seus irmãos, que não lhe davam o mínimo respeito, aprendiam com a mãe todas as artimanhas para humilhá-lo, desprezá-lo e dar-lhe uma extensa carga de culpa.

Desta forma, tudo era função de Fernandinho resolver, desde que permanecesse invisível, sempre deveria estar em patamar inferior dos demais.

Com certo tempo, legitimou-se a superioridade dos demais membros da família sobre Fernandinho, que cansado de somente servir a interesses mesquinhos, resolveu procurar outras pessoas.

E sem nenhum preconceito o jovem sem rumo, logo, enturmou-se com os moradores de rua, e mendigos da proximidade do local, onde vivia.

Em pouco tempo já usava drogas e se conduzia pelos locais mais perigosos da cidade.

Após algum tempo viu que aquilo que não tinha em casa, também não existia na rua, onde reinava a impiedade e a violência, que não demoraria a vitimar o jovem trabalhador.

Vendo, então, que o melhor seria retornar a sua casa, e que morar na rua somente lhe agravaria os problemas, o jovem recuperado, novamente se abriu a sua família.

Não obstante ser devidamente acolhido pela mamãe, desta vez, o preço foi alto.

A culpa que o habitava como antes veio em dobro, e não somente da manipuladora mãe , mas de todos os irmãos, primos, tios e tias.

Mais uma vez o nosso herói notou que aquele não era o lugar para crescer e para ter uma vida segura, e decidiu desta forma, obter um trabalho e novamente se dedicar a uma atividade.

Logrou êxito logo no início sendo admitido em promissor emprego, e iniciando sua renda. Passado alguns anos, tornou-se mais uma vez o exemplo da família.

Após mais alguns anos, Fernandinho, tornara-se odiado pelos irmãos por seu sucesso financeiro e profissional, e o “queridinho da mamãe” que não desistia de tê-lo sempre como o instrumento de suas potencialidades não exercidas.

Mas desta vez, o pai também passou a disputar a servidão de Fernandinho. Como ele não tinha utilidade prática nem para o pai nem para a mãe, resolveram usar de seu poder pessoal, para que lhes engrandecessem. O pai levava Fernandinho à casa de todos os tios, para que eles vissem sua servidão, como um troféu, e seu sucesso, como um exemplo do quanto sabia criar os filhos.

A mãe por sua vez, incomodada com esta situação utilizava-se de Fernandinho para ter sua consciência tranqüila. Então não bastava que ele gostasse dela e fosse bom, agindo com boa vontade, deveria cuidar dos irmãos (que o adiavam por causa de seu brilho - Fernandinho na verdade sempre desejara ser invisível !).

Ele deveria pagar as contas da casa, mas sobretudo deveria estar carregando uma carga extra de culpa, pois desta forma, estaria sempre pronto para atender a todos.

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Dia após dia, o objetivo era manter Fernandinho culpado. Quando não havia motivos, a manipuladora mãe arrumava:

- Sua roupa esta amassada, filho meu não pode andar com as calças caindo não.

As vezes a manipulação era de ordem familiar:

- Você tem que ver sua prima, que está se formando, vocês vão se dar bem.

Na verdade eram comandos, de ordem manipuladora no sentido de que ele trabalhasse para ela, e fizesse o que ela queria para agradar os familiares, e as pessoas em geral.

Os familiares de Fernandinho não o viam como pessoa com gostos e preferências, mas sim como uma oportunidade de obterem uma vantagem de alguém com muitas capacidades intelectuais, mas sem a necessária auto estima, para impedir os assédios, assim, as pessoas de sua família sempre buscavam algo, e quando não tinham algo a buscar nele, como a subserviência, ou o despejo de suas culpas, inventavam questões de toda ordem para que ele se voltasse contra um determinado membro da família em favor de outro e se destacasse com pivô de um conflito.

Certa vez, na mesa de jantar em uma celebração, sua mãe lhe disse:

- Emprestou dinheiro para seu irmão, ?

- Sim, respondeu Fernandinho, emprestei sim.

- Pois não vai receber nunca. Disse a mãe e soltou uma risada, e esperou que aquele que era um exemplo de conduta a acompanhasse na galhardia, para que os demais vissem o poder que ela tinha sobre Fernandinho.

O jovem guerreiro, no entanto, limitou-se a dizer:

- Você que esta dizendo isto.

A partir desta rebelião a vida de Fernandinho nunca mais foi a mesma, toda a família inclusive o cachorro se rebelaram contra o jovem que não quis acompanhar a turma da intriga.

Ele não queria fazer parte desta tipo de intriga, uma vez que sua mãe tratava muito bem o irmão em questão, e logo, estaria usando Fernandinho o como pivô de um conflito que ele nem sequer tinha conhecimento.

Ele sabia, que ela estaria, logo logo, fazendo teatro com oração, e rituais, para que os irmãos ficassem amigos, mas que na verdade seria tão somente a criação de uma situação que não existia.

Ele sabia, que na verdade, o que ela queria era criar um conflito na casa, para ela resolver e ficar com a imagem perante todos os demais, familiares e vizinhos, de que seria ela patrona da casa e que tinha alguns meninos pequenos que lhe davam trabalho.

Ele sabia que ela em sua luta incansável queria, tão somente, colocar Fernandinho na condição de problemático pois, desta forma, enchê-lo-ia com um caminhão de culpas, tornando mais sensível e mais manipulável.

Por isto, se esquivou do questionamento de sua mãe, mas sabia que a insistência brutal em reduzir não acabaria ali.

A manipuladora que, com sua língua, mais parecia uma bomba atômica, não desistiu facilmente.

Certa vez em outra celebração familiar, sorridente e brilhante disparou:

- Zezinho, outro dia, parecia um gayzinho.

Todos riram da piadinha da mãe de Fernandinho em direção a seu irmão.

Quando tinha obtido a atenção de todos, como um atirador de elite disparou de forma certeira:

- Mas Fernandinho é o único que não tem namorada.

A confusão passou a reinar na mente do inocente jovem que se preocupava somente em agradar: “arrumar namorada, como se estou sempre preocupado em agradar a velha?” conclui o jovem após demorada reflexão, “ e ela ainda vem me ridicularizar!” acrescentou a seus pensamentos que o atormentaram durante dias.

Naquela noite, o difamado jovem, se perdeu em divagações enquanto bebia algo para que os pensamentos não o atingissem de forma nefasta. Com horror de si mesmo, e do que se tornara, para agradar a mãe, viu que deixara de viver uma vida mais vivida nos termos da palavra, em que se permitisse mais ao tempo e aos gostos que lhe eram inerentes, por não haver espaço em sua vida para nada além das preocupações que nem sequer eram suas, mas daqueles que o manipulavam.

E não obstante todo este esforço, a grande responsável pela obra, agora lhe apontava coisas que ela mesma produzira, caçoava da obra como se não fosse de sua criação!

Naquela noite, sentiu todo o gosto do desprezo, e a resignação como alternativa única, pois, viu que a solução não era fácil, não era como tomar um remédio para uma doença, ou curativo para um ferida.

De repente viu que estava diante de uma construção com uma estrutura cheia de falhas nos alicerces, nas colunas, e sem nenhum tipo de acabamento ou qualquer detalhe que fosse do seu gosto. Construíra-se por mão alheias, as mesmas que lhe acusavam, eram suas criadoras.

Lançavam sementes com situações de dúvida, aguavam as sementes culpas e acusações, a árvore crescia, e estava sempre disposta a lhes dar os frutos que queriam só para si, uma árvore sem auto estima, obediente, subserviente.

Se a árvore ameaçasse buscar outros locais, ou outro alimento, era só dar-lhe mais culpa, mais situações vexatórias, mais insegurança, dever-se-ia buscar sempre gerar a insegurança.

Aquela noite fora tormentosa.

O nosso herói já conseguia enxergar as manobras manipuladoras da família em toda sua extensão, mas havia outro elemento que ameaçava, uma vez que a dose de manipulação e agressão tácita era maior, com a participação de seu irmão Zesinho, que aproveitando todas as maravilhas da juventude, não deixava de a todo o tempo agredir Fernadinho para dar seqüência à missão de sua mãe, de seu pai, e dos familiares em geral que era a de reduzir ao nível mesquinho o brilho do irmão..

Zezinho nunca perdia a oportunidade de humilhar Fernandinho e este por sua vez com sua educação mesquinha não podia revidar sob pena de ativar um profundo sentimento de culpa que lhe corroia da cabeça aos pés.

Desta forma, vivia aquele jovem, sendo agredido. Sentia-se mal, quando agredia, mesmo que para se defender, sentia-se pior ainda.

Todos os dias se repetiam as cenas daquela manipuladora sem qualquer tipo de ética ou qualquer arrependimento ou relataliação de qualquer forma

Dia após dia semana após semana, até que por fim o herói entrou em tratamento de depressão que não o deixava nem sequer dormir, remédios e mais remédios não lhe diminuíam a dor de ter sido por toda a vida um mero objeto da manipulação alheia.

Até que um belo dia sua mãe disse que pensaram muito nele e em tudo que ele sofrera do mundo que iria ajudá-lo, sem o mínimo discernimento do que seria melhor para si mesmo, o jovem aceitou o endereço que lhe foi dado pela mãe e compareceu à clínica de internação para neuróticos.

Uma vez no local conheceu algumas pessoas, e iniciou vários diálogos. Com a força que lhe faltava e com a desilusão sobre as possibilidades da vida e sobre o valor das pessoas, foi permanecendo. Os dias se tornaram semanas e as semanas meses, e após alguns anos, ali estava o nosso herói olhando o espaço vazio e recebendo flores da “brilhante” mamãe que exibia seu sorriso pelos corredores e anunciava o quanto era bondosa e o quanto amava seu querido filhinho.

Toda a família acompanhava aquela mãe que agora era vítima deste “mundo cruel” que levara seu filhinho, motivo pelo qual derramava lágrimas naquela clínica para doentes mentais. Pobre Fernandinho, dizia a mamãe, enquanto chorava a beira de seus olhos perdidos no vazio da imensidão universal. "Pobre Fernandinho"

Isaias João
Enviado por Isaias João em 02/12/2010
Código do texto: T2650057
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